Sinal sísmico que se repete a cada 26 segundos intriga cientistas há mais de 60 anos

Um pulso sísmico de baixa frequência, detectado em intervalos regulares de aproximadamente 26 segundos e originado no Golfo da Guiné, permanece sem explicação definitiva desde que foi identificado no início da década de 1960. Embora imperceptível para a população, o fenômeno é registrado por redes de monitoramento sísmico em todos os continentes e representa um dos enigmas mais persistentes da geofísica moderna.

Ritmo constante desafia a lógica dos abalos sísmicos comuns

Ao contrário dos terremotos usuais, caracterizados por liberações bruscas e caóticas de energia, o sinal apresenta periodicidade quase perfeita. Equipamentos de alta sensibilidade captam a vibração em estações remotas, revelando um comportamento que mais se assemelha a um metrônomo planetário do que a um evento tectônico convencional. Seu alcance global indica que a fonte gera energia suficiente para viajar pela superfície terrestre sem se dissipar rapidamente, mas não há relatos de danos, tremores perceptíveis ou alterações ambientais associadas.

Primeira detecção ocorreu em 1961

A existência da pulsação foi notada em 1961 pelo geólogo Jack Oliver, à época pesquisador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Ao comparar registros de diferentes sismógrafos, Oliver identificou pequenas ondas que se repetiam com intervalo invariável. Em 1962, ele publicou um artigo descrevendo o fenômeno como uma “tempestade global de microsismos”, termo que chamou atenção por destacar a onipresença do sinal e a distinção em relação aos tremores tradicionais. Naquele estágio, já estavam descartadas explicações como falha de instrumentação ou interferência atmosférica, pois a constância temporal se mantinha em vários equipamentos instalados em continentes distintos.

Localização da fonte no Golfo da Guiné

Investigações subsequentes concentraram esforços em determinar a origem precisa da vibração. Análises de cronometria de chegada de ondas e triangulação de dados apontaram para uma área restrita no Golfo da Guiné, nas proximidades da Baía de Bonny, em frente à costa oeste da África. A proximidade da ilha vulcânica de São Tomé adicionou complexidade à apuração: enquanto a geometria submarina sugeria grande potencial de interação entre ondas oceânicas e plataforma continental, o contexto geológico levantava a possibilidade de fontes magmáticas ou hidrotermais pouco acessíveis à observação direta.

Relatos de navegadores reforçaram hipótese oceânica

Na década de 1960, Oliver reuniu testemunhos de marinheiros que navegavam na região. Tripulações mencionaram ondas anormalmente intensas, capazes de romper amarras de navios no porto de Tema, em Gana. Esses relatos reforçaram a teoria de que tempestades formadas no Atlântico Sul transfeririam energia a longas distâncias, canalizada pela configuração costeira do Golfo da Guiné e convertida em vibrações sísmicas. A ideia descrevia a costa africana como uma espécie de tambor natural, onde sucessivos impactos de ondas gerariam a cadência observada nos sismógrafos.

Tecnologia de monitoramento avançou no século XXI

A expansão de redes sísmicas digitais e o aumento da resolução de sensores permitiram, a partir dos anos 2000, examinar detalhes antes inacessíveis. Em 2006, equipe liderada por Nikolai Shapiro mediu com precisão a velocidade de propagação do pulso, próxima de 3,5 quilômetros por segundo, compatível com ondas superficiais que atravessam rochas sedimentares e crosta oceânica. O grupo observou, ainda, que a intensidade do sinal era maior durante o inverno no hemisfério sul, indício de correlação com padrões sazonais de atividade marítima e meteorológica.

Estudo de 2013 identificou duas fontes na mesma região

Em 2013, pesquisadores analisaram milhares de registros e distinguiram dois microsismos quase simultâneos no Golfo da Guiné. Um deles possuía frequência ligeiramente diversa e parecia vinculado a uma área próxima ao vulcão de São Tomé; o outro correspondia ao pulso original de 26 segundos. A coexistência de emissões separadas indicou que processos distintos poderiam estar ativos, desafiando modelos que apostavam em um único mecanismo gerador. Os autores concluíram que nenhum cenário isolado — puramente oceânico ou estritamente geotermal — explicava, de forma abrangente, a regularidade e a persistência observadas.

Descoberta de deslizamentos de frequência em 2023

Uma nova camada de complexidade foi adicionada em 2023, quando estudo publicado na revista Nature Communications Earth & Environment notou “deslizamentos de frequência”. Em determinados períodos, o sinal passa a acelerar gradualmente durante alguns dias, iniciando no período habitual de 26 segundos e migrando para intervalos mais curtos antes de retornar ao ritmo padrão. A variação se origina do mesmo ponto geográfico, sugerindo que mudanças internas no processo físico — e não movimentos de fonte — são responsáveis pela modulação temporária.

Hipótese magmática ganha força

Parte da comunidade científica defende que um sistema hidrotermal pressurizado ou uma câmara magmática relativamente rasa pode estar vibrando de forma estável, liberando energia sísmica a cada ciclo de 26 segundos. Neste cenário, a pressão de gases, fluidos sobreaquecidos ou golpes de bolhas magmáticas em condutos rochosos formaria um mecanismo semelhante a um pistão natural. A geometria das fraturas ou dos domos vulcânicos, combinada à profundidade da fonte e à composição das rochas, poderia conferir a periodicidade necessária.

Imagem: Lucas Rabello

Modelo oceânico permanece relevante

A hipótese de impacto de ondas continua a ser investigada com modelagem numérica e medições in situ. Simulações indicam que, em certas condições de maré, ventos e batimetria, ondas de período longo oriundas de tempestades distantes alcançariam a plataforma continental africana e gerariam um tremor coerente. O Golfo da Guiné, com sua configuração semicircular e profundidade variável, funcionaria como cavidade acústica capaz de amplificar oscilações e retransmiti-las ao interior da Terra. O desafio consiste em reproduzir, em modelos computacionais, a precisão temporal e a constância de mais de seis décadas de observação.

Limitações de dados submarinos tornam solução difícil

Grande parte do mistério se sustenta pela escassez de instrumentos diretamente instalados no fundo do mar na área de interesse. Sismógrafos terrestres captam o resultado final da vibração, mas não registram parâmetros oceânicos locais no momento de geração. Campanhas de oceanografia física com boias, hidrofones e sensores de pressão seriam capazes de medir interações entre água e crosta, porém envolvem custos elevados e desafios logísticos consideráveis em mar aberto. A ausência de monitoramento constante limita a capacidade de discriminar entre mecanismos concorrentes.

Periodicidade surpreendentemente estável

O pulso mantém a mesma marca temporal desde o primeiro registro disponível. Poucas variações foram observadas fora dos deslizamentos episódicos identificados em 2023, o que indica forte controle de algum parâmetro natural recorrente. A estabilidade temporal pressiona modelos explicativos a justificar como um sistema físico aberto — sujeito a marés, pressão atmosférica, fluxo magmático ou atividade tectônica — consegue conservar ritmo próximo ao de relógios atômicos por décadas. Essa singularidade faz do microsismo de 26 segundos um excelente laboratório para testar teorias de acoplamento entre litosfera, hidrosfera e, possivelmente, a atividade interna do planeta.

Impacto científico e aplicações potenciais

Embora não represente ameaça à população, o fenômeno é monitorado porque qualquer modificação abrupta em sua assinatura pode sinalizar alterações geológicas subterrâneas ou oceanográficas relevantes. A compreensão do processo pode aprimorar modelos de propagação de ondas sísmicas, auxiliar na calibração de sensores e oferecer pistas sobre dinâmicas complexas em zonas costeiras tropicais. Além disso, investigar a fonte pode revelar propriedades até então desconhecidas de vulcanismo submarino, circulação hidrotermal ou ressonância costeira, contribuindo para o entendimento geral do sistema Terra.

Próximos passos de pesquisa

Equipes ao redor do mundo planejam missões com veículos submarinos autônomos, instalação de redes sísmicas de fundo oceânico e medição simultânea de variáveis meteorológicas. Espera-se, com dados de alta resolução, detectar a sequência exata de eventos que antecede cada pulso, mapeando o trajeto da energia desde a origem até os sismógrafos continentais. Também estão em estudo algoritmos de aprendizado de máquina para identificar correlações antes não reconhecidas entre o sinal e parâmetros ambientais, como altura significativa de ondas ou variações de maré barométrica.

Mistério persiste após mais de meio século

Apesar do avanço tecnológico e do interesse contínuo da comunidade geofísica, a explicação definitiva para o sinal de 26 segundos segue em aberto. A persistência do enigma ressalta lacunas na compreensão sobre processos que conectam oceano, litosfera e dinâmica interna da Terra. Seja fruto de golpes de ondas contra a plataforma africana, de um sistema vulcânico submerso ou de uma combinação de fatores ainda desconhecida, o microsismo mantém pesquisadores atentos e amplia o escopo de perguntas sobre o funcionamento do planeta.

Mistérios do Mundo

Gostou deste story?

Aproveite para compartilhar clicando no botão acima!

Esta página foi gerada pelo plugin

Visite nosso site e veja todos os outros artigos disponíveis!

Mundo Desvendado