Simulações Avançadas Contestam Teoria de Impacto Gigante para o Núcleo Diluído de Júpiter

Durham, Reino Unido — Um estudo divulgado em 4 de julho de 2025 indica que colisões de grandes proporções não geram, de forma duradoura, o núcleo diluído observado em Júpiter. A conclusão foi obtida por uma equipe internacional liderada por T. D. Sandnes, que recorreu a métodos numéricos de última geração para reproduzir cenários de impactos gigantes no planeta. Os resultados, publicados na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, reforçam a hipótese de que a estrutura interna dos gigantes gasosos se desenvolve por processos mais graduais do que se pensava.

Observações que desafiaram modelos tradicionais

Medições de momento gravitacional realizadas pela missão Juno revelaram que o interior de Júpiter contém uma transição suave entre materiais pesados e o envelope predominante de hidrogênio e hélio. Esse perfil, descrito como núcleo diluído, difere dos modelos clássicos que previam uma fronteira nítida entre uma região central densa e o restante do planeta. Estudos posteriores indicaram que Saturno apresenta característica semelhante, sugerindo que o fenômeno pode ser comum em gigantes gasosos.

Hipótese do impacto gigante

Até recentemente, a principal explicação para a diluição do núcleo era um choque frontal provocado por um protoplaneta de cerca de 10 massas terrestres. Simulações de 2019 (referidas como L19) apontaram que tal colisão seria capaz de misturar de modo permanente o material do núcleo com o envelope, resultando em uma fração central de elementos pesados (Z) próxima de 0,5. Ainda que esse cenário envolvesse um evento singular e improvável, ele ganhou destaque como solução potencial para o enigma.

Novo método numérico: REMIX SPH

A equipe de Sandnes revisitou a questão com um algoritmo de hidrodinâmica de partículas suavizadas denominado REMIX SPH. O método, implementado no código aberto SWIFT, foi desenvolvido para aprimorar a representação de mistura entre materiais de densidade contrastante, aspecto crucial em colisões planetárias. O REMIX SPH corrige deficiências conhecidas das formulações tradicionais (tSPH), especialmente a tendência de restringir a mistura devido a efeitos que simulam tensão superficial.

Em paralelo, a pesquisa destaca limitações de abordagens Eulerianas baseadas em grade — caso do código FLASH utilizado em L19. Métricas em grade podem introduzir mistura artificial (sobre-mixing) quando grandes volumes de material atravessam células fixas, distorcendo a evolução real dos fluidos durante um impacto.

Verificação de instabilidades clássicas

Antes de simular colisões, os autores empregaram o REMIX SPH em testes padronizados de instabilidade de Kelvin-Helmholtz (KHI) e Rayleigh-Taylor (RTI), usando parâmetros equivalentes às condições internas de Júpiter. Nos dois casos, o novo método possibilitou crescimento livre das instabilidades e integração eficiente de partículas de diferentes composições, demonstrando capacidade para rastrear misturas reais sem interferências numéricas significativas.

Configurações das simulações de impacto

O conjunto principal de simulações envolveu:

  • Planeta-alvo com 308 massas terrestres e núcleo de aproximadamente 10 massas terrestres;
  • Impactor de 10 massas terrestres;
  • Equações de estado avançadas CD21 H-He (hidrogênio-hélio) e ANEOS/AQUA (rocha e gelo);
  • Variação de velocidades, ângulos e resoluções para explorar amplo espaço de parâmetros;
  • Copia exata das condições iniciais do estudo L19 para comparação direta.

Resultados: ausência de diluição persistente

Em todas as configurações examinadas, o padrão observado foi idêntico:

  1. A colisão inicial rompeu o núcleo e promoveu mistura transitória com o envelope.
  2. Em aproximadamente 10 horas, os elementos pesados voltaram a se assentar gravitacionalmente, reconstituindo um núcleo diferenciado com fronteira definida.
  3. Simulações de maior resolução evidenciaram turbulências de menor escala, porém não alteraram o resultado final.

Mesmo cenários otimizados para favorecer mistura — impactos frontais, grandes velocidades e ângulos específicos — falharam em manter a diluição por tempo prolongado. Os elementos pesados sempre tenderam a concentrar-se no centro, restabelecendo a configuração convencional.

Teste de estabilidade de um núcleo diluído pré-existente

Para excluir a possibilidade de erro numérico, os pesquisadores construíram um modelo isolado de Júpiter já dotado de núcleo diluído semelhante ao produto da simulação L19. Com o REMIX SPH, essa estrutura manteve-se estável durante 40 horas de simulação, preservando fração central de elementos pesados Z≈0,83. Em contraste, versões com tSPH promoveram separação rápida de materiais, recuperando um núcleo sólido em menos de 10 horas.

Esse experimento demonstra que o método numérico é capaz de sustentar diluição quando ela está presente, reforçando que a ausência de diluição pós-impacto deriva de limitações físicas do processo, não do algoritmo.

Diferenças em relação ao estudo de 2019

Os autores atribuem a divergência principal aos seguintes fatores:

  • Sistema de coordenadas fixo: códigos Eulerianos podem introduzir mistura artificial porque fluidos atravessam células estacionárias.
  • Cálculo de auto-gravidade: o estudo L19 utilizou expansão multipolar única centrada no centro de massa. No impacto, o centro de massa se desloca, gerando imprecisões na força gravitacional e estimulando sobre-mixing. O REMIX SPH emprega esquema multipolar hierárquico, reduzindo esse erro.

Consequências para a formação dos gigantes gasosos

A impossibilidade de criar um núcleo diluído duradouro por meio de impacto gigante enfraquece esse mecanismo como explicação dominante para Júpiter. Considerando que Saturno exibe estrutura interna parecida, a formação gradual por processos múltiplos e contínuos ganha relevância. Entre as alternativas discutidas estão:

  • Acresção prolongada de planetesimais: entregaria grandes quantidades de elementos pesados em fase pré-gás, atrasando a acreção descontrolada de hidrogênio e hélio e favorecendo gradientes composicionais.
  • Erosão convectiva: movimentos convectivos após a formação poderiam misturar lentamente material do núcleo ao envelope, suavizando a fronteira ao longo de milhões de anos.

Limitações e próximos passos

O trabalho reconhece que as simulações não contemplam mistura abaixo da escala de resolução do SPH nem reações químicas que ocorram durante a interação dos materiais. A inclusão desses efeitos, assim como estudos que combinem dinâmicas de longo prazo, poderão refinar o entendimento da evolução interna de gigantes gasosos.

Panorama para investigações futuras

Com a hipótese de impacto gigante desafiada, a comunidade científica volta-se a mecanismos capazes de operar em temposcales mais longos e de forma recorrente. Observações adicionais de Juno, a futura missão Europa Clipper e sondas específicas para Saturno poderão oferecer dados gravimétricos ainda mais precisos, servindo de teste para modelos que envolvam intrincados processos convectivos e de acreção.

Embora o núcleo diluído continue sendo um enigma, o estudo de Sandnes e colaboradores redefine o horizonte de pesquisa. Ao mostrar que nem mesmo impactos extremos produzem a estrutura observada, o trabalho direciona esforços para teorias que considerem gradientes composicionais como parte natural do crescimento de gigantes gasosos, influenciados por acumulação de planetesimais, evolução térmica e dinâmica interna ao longo de todo o processo de formação.

Fonte: Space Today

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