Uma investigação conduzida pela polícia de Guayaquil, no Equador, levou à descoberta dos restos mortais de Martha Cecilia Solís Cruz, 49 anos, dentro de uma máquina de lavar e de um tambor azul na residência onde a vítima vivia com a filha, Andreína Lamota Solís. Segundo as autoridades, a jovem é suspeita de cometer o homicídio e de empregar recursos de inteligência artificial (IA) para forjar provas e despistar familiares e investigadores.
Desaparecimento e primeiras diligências
Martha Solís foi vista com vida pela última vez em 5 de outubro, durante um encontro de família. Na ocasião, não houve registros de desentendimentos aparentes, nem indícios imediatos de que algum crime pudesse ocorrer. Na manhã do dia seguinte, 6 de outubro, parentes perceberam que Martha estava inacessível e formalizaram o desaparecimento junto ao Ministério Público de Guayas. O registro marcou o início de uma apuração que ganharia repercussão nacional nas semanas seguintes.
Conforme o boletim apresentado pelos familiares, Martha não possuía histórico de sumiços repentinos nem doenças graves que justificassem um eventual afastamento voluntário. Por esse motivo, a possibilidade de um sequestro ou de violência doméstica passou a ser considerada pelos investigadores logo nas primeiras horas. A Polícia Nacional do Equador realizou então visitas à casa da família, analisou imagens de câmeras de segurança da vizinhança e colheu depoimentos de pessoas próximas.
Declarações contraditórias levam à suspeita inicial
Desde o início, a filha da vítima manteve contato com a polícia e ofereceu informações sobre o paradeiro da mãe. Entretanto, a equipe responsável pelo caso observou divergências entre versões apresentadas em momentos diferentes. Em determinadas declarações, Andreína alegou que Martha teria viajado para visitar amigos em outra cidade; em outras, afirmava que a mãe desejava um período de descanso longe das redes sociais.
A multiplicidade de versões gerou suspeita, principalmente porque não havia provas concretas de deslocamento da vítima para fora de Guayaquil. Não constavam registros de passagens compradas em seu nome, nem movimentações bancárias que confirmassem uma viagem. Os policiais também não localizaram contatos recentes de Martha em aplicativos de mensagem que indicassem uma possível fuga ou estadia temporária em outro local.
Utilização de vídeos criados por inteligência artificial
A investigação ganhou contornos inéditos quando Andreína apresentou vídeos supostamente gravados pela própria Martha após o desaparecimento. Nas imagens, a mulher afirmava estar em segurança e pedia que as autoridades arquivassem o inquérito. O material, porém, levantou dúvidas técnicas: a iluminação não condizia com o ambiente habitual da residência, e havia leves inconsistências no movimento dos lábios em relação ao áudio.
Especialistas em perícia digital acionados pela Diretoria de Crimes Contra a Vida e Mortes Violentas submeteram os arquivos a uma análise forense. O exame concluiu que os vídeos foram gerados por IA, possivelmente com o uso de programas de deepfake capazes de criar rostos realistas e sincronizar falas de forma automatizada. A detecção de microartefatos visuais e a ausência de metadados originais reforçaram a avaliação de que não se tratava de gravações autênticas.
Descoberta dos restos mortais na residência
Com as contradições estabelecidas e a confirmação de manipulação digital, a polícia solicitou um novo mandado de busca à Justiça. A ordem judicial permitiu a entrada de peritos na casa onde Martha e Andreína moravam, localizada em um bairro residencial de classe média em Guayaquil. Durante a vistoria, agentes sentiram forte odor próximo à área de serviço. Ao abrir a tampa da máquina de lavar, encontraram partes do corpo da vítima embaladas em sacos plásticos. No mesmo cômodo, havia um tambor azul contendo outros segmentos.
O estado dos restos mortais indicava desmembramento. Apesar de ainda aguardar resultado de exames laboratoriais, os peritos preliminarmente apontaram a existência de cortes precisos, sugerindo que a morte ocorreu entre 5 e 6 de outubro, intervalo que coincide com o desaparecimento. Instrumentos possivelmente utilizados no crime foram apreendidos para perícia complementar, incluindo facas de cozinha e utensílios cortantes encontrados na residência.
Aluguel de quarto por um dia e tentativa de confundir câmeras
Além dos vídeos forjados, Andreína teria recorrido a outra estratégia: alugou, por apenas um dia, um quarto em um endereço distante de sua casa. Imagens de segurança mostram que, ao chegar ao local, ela estava vestida com roupas similares às de Martha, cobrindo parcialmente o rosto. Após algumas horas, deixou o imóvel com trajes que correspondem ao seu guarda-roupa habitual. A polícia suspeita de que a ação visava gerar registros em câmeras externas para indicar que a mãe estaria circulando pela cidade.
De acordo com o coronel Galo Muñoz, chefe nacional da Diretoria de Crimes Contra a Vida e Mortes Violentas, esse comportamento denota planejamento. O oficial esclareceu que a análise minuciosa das filmagens permitiu identificar diferenças na postura corporal, sugerindo que a pessoa fantasiada era Andreína. A proprietária do imóvel alugado confirmou que a hóspede permaneceu no quarto por período curto, não utilizou serviço de hospedagem adicional e pagou em dinheiro.
Confissão e alegação inicial de motivação financeira
Em 16 de outubro, após ser confrontada com as provas obtidas — entre elas, perícia dos vídeos, vestígios de sangue e contradições no aluguel do quarto —, Andreína confessou o homicídio, segundo comunicado oficial da Polícia Nacional do Equador. Em depoimento inicial, apontou motivo financeiro: afirmou que a mãe possuía economias guardadas e se recusava a repassar parte dos valores. A versão, contudo, não é considerada definitiva pela polícia, que continua examinando registros bancários e conversas no aparelho celular apreendido.
Os investigadores buscam transações suspeitas, eventuais tentativas de acesso a contas bancárias ou aquisições recentes que possam confirmar ou refutar a tese de motivação patrimonial. Até o momento, não foi divulgada quantia associada às economias de Martha, nem há evidências públicas de movimentação expressiva em nome da filha após o crime.
Possibilidade de outras vítimas e perfil apontado pela polícia
O coronel Muñoz declarou que o comportamento observado durante a investigação sugere perfil calculista, caracterizado por frieza ao planejar a ocultação do crime. A polícia não descarta a existência de outras vítimas. Embora não tenham sido divulgados detalhes sobre possíveis novos casos, o conteúdo de aplicativos de mensagens e registros de chamadas do telefone de Andreína está sendo analisado para identificar conexões com desaparecimentos não solucionados na região.
Até a finalização desta reportagem, as autoridades não indicaram indiciamentos adicionais, mas reforçaram que as linhas de investigação permanecem abertas. Caso surjam elementos que apontem para crimes subsequentes, o Ministério Público poderá ampliar a denúncia contra a suspeita.
Imagem: Lucas Rabello
Repercussão e debate sobre uso de inteligência artificial
O episódio gerou repercussão nacional por envolver o emprego de IA na tentativa de manipular evidências. De acordo com representantes do Ministério do Interior equatoriano, esta é a primeira investigação criminal do país a confirmar a utilização de tecnologia de deepfake com finalidade direta de obstrução de justiça. Especialistas em segurança digital destacam que o caso ilustra desafios emergentes para forças policiais em todo o mundo, que precisam aprimorar técnicas de verificação de autenticidade de áudio e vídeo.
Em pronunciamento à imprensa, autoridades equatorianas avaliaram que o resultado preliminar da perícia reforça a necessidade de investimentos em laboratórios forenses digitais. Segundo o departamento responsável, novas ferramentas de detecção de deepfakes já estão em fase de aquisição, visando equipar peritos com métodos de triagem mais rápidos em futuras investigações.
Linha do tempo do caso
Para contextualizar o avanço das apurações, a polícia detalhou a cronologia dos principais acontecimentos:
- 5 de outubro: Martha Solís participa de encontro familiar e é vista com vida pela última vez.
- 6 de outubro: familiares registram desaparecimento no Ministério Público de Guayas.
- aprox. 12 de outubro: policiais encontram restos mortais na máquina de lavar e no tambor na residência.
- 13 a 15 de outubro: perícia constata adulteração de vídeos apresentados por Andreína.
- 16 de outubro: suspeita confessa o crime após ser confrontada com laudos e depoimentos.
- dias seguintes: perícia em aparelhos eletrônicos busca novos elementos probatórios.
Próximos passos no processo judicial
Com a confissão registrada, o Ministério Público equatoriano trabalha na formalização da denúncia por homicídio qualificado. A modalidade de crime pode agravar a pena, uma vez que envolve suposto planejamento prévio e tentativa de ocultação. A defesa de Andreína solicitou exame psicológico para avaliar o estado emocional da ré, porém não há, até o momento, laudos que indiquem transtorno mental incapacitante.
Quando a fase de instrução processual for concluída, o tribunal competente deverá definir a data de audiência de julgamento. Durante esse período, a acusada permanece em prisão preventiva, medida solicitada pelo Ministério Público devido ao risco de fuga e à gravidade dos fatos. A legislação penal equatoriana prevê pena de até 26 anos de reclusão para homicídio qualificado, podendo aumentar em circunstâncias específicas, como tentativa de destruição de provas ou uso de meios tecnológicos para obstruir investigações.
Impacto social e medidas de prevenção
Entidades de direitos humanos e organizações voltadas à proteção da mulher acompanharam as diligências, destacando a importância de canais de denúncia para casos de violência intrafamiliar. O Ministério da Mulher e Direitos Humanos do Equador reiterou que o país oferece serviços de assistência jurídica e psicológica gratuitos, incentivando familiares a reportarem comportamentos suspeitos antes que atinjam níveis de risco extremo.
A repercussão do caso também mobilizou instituições acadêmicas a promover debates sobre ética no uso de IA. Universidades locais anunciaram seminários voltados a estudantes de tecnologia, direito e ciências sociais, com foco em responsabilidade digital e rastreamento de conteúdos manipulados.
Monitoramento de novas evidências
Paralelamente ao andamento judicial, equipes forenses continuam examinando dispositivos eletrônicos apreendidos na residência. Entre eles, estão um computador pessoal, dois telefones celulares, um tablet e um disco rígido externo. Os investigadores procuram mensagens que indiquem planejamento prévio ou contatos que possam ter auxiliado na criação dos deepfakes. Softwares de varredura identificaram aplicativos populares de edição de vídeo e plataformas de IA instaladas nos equipamentos.
Relatórios preliminares apontam que, na semana anterior ao desaparecimento, Andreína fez diversas pesquisas sobre “como alterar metadados” e “gerar vídeos realistas”. Embora não haja confirmação de que tais buscas foram imediatamente utilizadas no crime, os dados reforçam a hipótese de preparação antecipada.
Conclusões parciais das autoridades
Até o momento, a polícia equatoriana considera o caso praticamente elucidado em relação à materialidade e autoria. Contudo, permanece a coleta de indícios que demonstrem premeditação, tentativa de fraude processual e possível participação de terceiros. O inquérito seguirá em aberto até que todos os laudos pendentes — incluindo exames toxicológicos, análise de rastros sanguíneos e decodificação completa de dados eletrônicos — sejam anexados aos autos.
Enquanto isso, o corpo de Martha Solís foi liberado para a família após necropsia e cerimônia fúnebre privada. Parentes solicitaram discrição sobre detalhes do velório e, em nota, afirmaram que acompanharão o processo judicial em busca de justiça.
O desenrolar da ação penal e o eventual desdobramento sobre a existência de outras vítimas serão decisivos para avaliar impactos legais e sociais do caso, que já ganha destaque internacional pela maneira como a inteligência artificial foi empregada para ludibriar investigações.





















