Quadro de Jesus comprado por 20 dólares exsuda mirra no Havaí e mobiliza peregrinações

Uma figura observando uma galáxia, simbolizando a busca por respostas no universo.

Uma reprodução em papel de um ícone ortodoxo, adquirida por 20 dólares em uma loja de artigos usados no Canadá, tornou-se o centro de um fenômeno religioso que ultrapassou fronteiras. O quadro, atualmente exposto em uma igreja ortodoxa russa em Honolulu, no Havaí, passou a exsudar uma substância identificada como mirra, atraindo peregrinos de vários países e motivando relatos de curas supostamente milagrosas.

Origem do ícone e primeiros anos

A peça foi comprada em Toronto há pouco mais de 15 anos por um fiel cuja identidade não foi divulgada. Na época, tratava-se apenas de uma impressão de baixo custo de um ícone ortodoxo conhecido como Ícone de Íveron, venerado desde a Idade Média. O material, em papel e protegido por moldura simples, foi doado à Igreja Ortodoxa Russa da Santa Teótoco de Íveron, localizada na capital havaiana. Durante vários anos, a imagem permaneceu exposta no templo sem chamar a atenção da comunidade.

Primeiras manifestações da substância

O frade Nectarios Yangson, responsável pela paróquia, relatou que os primeiros indícios de algo incomum surgiram na última semana de setembro de 2007. Segundo ele, um perfume intenso, semelhante a rosas, começou a ser percebido em diferentes ambientes — dentro da igreja, em sua residência e até no carro que utilizava. Sem encontrar explicação imediata, suspeitou de um possível vazamento de óleo litúrgico ou da umidade típica do clima havaiano.

A investigação inicial descartou intervenções de terceiros. Ninguém havia limpado ou ungido o quadro recentemente e não havia registros de danos na estrutura do templo que justificassem pingos de água ou regressão de tinta. Dias depois, o padre observou a formação de uma gota viscosa no joelho esquerdo da figura do Menino Jesus representado na imagem. O líquido, transparente e oleoso, apresentava o mesmo perfume que se espalhava pelo ambiente.

Identificação da mirra e aumento da circulação de fiéis

Com a persistência do fenômeno, membros da paróquia passaram a recolher pequenas amostras da substância para unção pessoal. Ao entrar em contato com o ar, o óleo espesso escorria pela moldura, formava poças na base do quadro e impregnava o tecido colocado sob o objeto. O odor permaneceu marcante inclusive quando não havia sinais visíveis de líquido na superfície, segundo relatos registrados pelo sacerdote.

A descoberta espalhou-se rapidamente pela comunidade ortodoxa nos Estados Unidos e alcançou fiéis de outras denominações cristãs. Visitantes começaram a chegar a Honolulu para presenciar o evento, batizando a imagem de Ícone Havaiano de Íveron. Depoimentos recolhidos pelo clero local indicam relatos de melhora ou remissão de problemas de saúde após o contato com a mirra, entre eles perda de visão, paralisia, dores crônicas e casos de câncer.

Reconhecimento pela Igreja Ortodoxa Russa

Em 2008, a hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa concluiu uma investigação interna e classificou oficialmente o quadro como milagroso. A decisão permitiu que o padre Nectarios transportasse o ícone para diferentes comunidades ortodoxas dentro e fora dos Estados Unidos. Desde então, o quadro circula em paróquias de vários estados norte-americanos e em países europeus, participando de liturgias especiais e encontros religiosos que somam milhões de fiéis ao longo de mais de uma década.

O sacerdote relata que a frequência e a quantidade de mirra variam. “Alguns dias o quadro está seco; em outros, fica completamente coberto”, descreveu em comunicado aos paroquianos. Mesmo nas ocasiões sem óleo visível, o aroma característico permanece forte, segundo ele.

Peregrinações e logística de transporte

Para cada viagem, o religioso segue procedimentos de conservação que incluem acondicionar a moldura em caixa especial e proteger a parte frontal com película transparente. A substância que escorre é recolhida em algodão e distribuída aos fiéis durante as celebrações. Equipes voluntárias de diferentes comunidades cuidam da recepção e do traslado do objeto, garantindo vigilância constante para evitar danos ou manipulações indevidas.

Nessas ocasiões, grande parte dos visitantes participa de vigílias e filas de veneração. Alguns levam objetos pessoais, como lenços ou fitas, que entram em contato com a mirra para serem levados como relíquia. O fluxo de peregrinos, segundo relatos paroquiais, chega a provocar lotação em igrejas e auditórios, exigindo planejamento especial de segurança.

Relatos de supostas curas e documentação

Desde o reconhecimento e a ampla circulação, centenas de testemunhos foram coletados pelo padre Nectarios e por outras lideranças ortodoxas. Entre os casos apresentados, constam descrições de regressão de tumores, recuperação de mobilidade após acidentes vasculares cerebrais, melhora de dores crônicas e resolução de distúrbios visuais ou auditivos. Muitos desses relatos ficam arquivados em cartas, laudos médicos fornecidos pelos próprios fiéis e vídeos gravados durante as peregrinações.

Apesar da quantidade de testemunhos, não há confirmação independente de que tais melhoras estejam diretamente ligadas ao contato com a mirra. Nenhuma instituição de saúde ou grupo de pesquisa publicou estudo revisado por pares que comprove nexo causal entre a substância exsudada e os resultados alegados.

Ausência de validação científica

Nenhum laboratório divulgou análise química detalhada sobre a composição do líquido do Ícone Havaiano de Íveron. Não existem dados públicos que comprovem se a mirra presente contém características fora do padrão de resinas aromáticas conhecidas. Especialistas em fenômenos religiosos lembram que manifestações semelhantes podem derivar de processos naturais, como condensação de óleos anteriormente aplicados, microfissuras na pintura ou reações do suporte de madeira a variações de temperatura e umidade.

Pesquisadores também ressaltam o poder do efeito placebo em ambientes de fé intensa. Experiências coletivas prolongadas, caracterizadas por expectativa elevada de intervenção divina, podem influenciar a percepção sobre sintomas ou a evolução de doenças. Em geral, investigações rigorosas exigem controle duplo-cego e acompanhamento clínico, procedimentos que não foram aplicados aos casos associados à imagem havaiana.

Contexto cultural e histórico da mirra

A mirra é mencionada em tradições cristãs desde os Evangelhos, que narram a oferta do presente ao Menino Jesus pelos Magos. Na liturgia ortodoxa, o óleo aromático é utilizado em sacramentos como a unção de enfermos e em atos de consagração. O perfume característico, lembrando notas de rosas e especiarias, simboliza pureza espiritual e bênção divina. Por isso, relatos de ícones “chorando” ou “transpirando” mirra despertam grande interesse entre fiéis, reforçando a crença em sinais celestes.

Relatos de exsudação de óleo, água ou sangue em objetos religiosos são documentados em várias tradições cristãs, especialmente dentro do cristianismo oriental. Entretanto, a Igreja costuma analisar cada caso individualmente, procurando descartar intervenções humanas ou causas naturais antes de reconhecer caráter extraordinário.

Situação atual do quadro em Honolulu

O ícone permanece sob a tutela da paróquia de Honolulu. O templo, de capacidade limitada, adaptou instalações para receber grupos de visitantes, incluindo horários estendidos de oração e equipes para organização de filas. Durante períodos de maior fluxo, a imagem é posicionada em local de fácil visualização, com recipientes sob a moldura para coletar possíveis gotas de óleo. Quando o quadro viaja, um exemplar em tamanho reduzido permanece no local para veneração dos fiéis que não conseguem acompanhar as peregrinações.

Quadro de Jesus comprado por 20 dólares exsuda mirra no Havaí e mobiliza peregrinações - Imagem do artigo original

Imagem: Lucas Rabello

Desde a pandemia de covid-19, o esquema de visitas sofreu adaptações, envolvendo distanciamento físico, uso de máscaras e restrição no número de participantes em ambientes fechados. A coleta de mirra em algodão passou a ser realizada somente por auxiliares designados, evitando contato simultâneo de diversas pessoas com a superfície do quadro.

Pontos de vista dentro da comunidade religiosa

Entre os membros da igreja, prevalece a interpretação de que o fenômeno constitui sinal da presença divina e convite à oração. Lideranças ortodoxas orientam os fiéis a focar no aspecto espiritual e não no caráter sobrenatural em si, reforçando práticas de caridade, confissão e participação nos sacramentos. O padre Nectarios, em declarações públicas, afirma encarar o evento como “grande bênção” e, ao mesmo tempo, “possível advertência” para a humanidade, sem especificar o motivo da suposta mensagem.

Em contrapartida, segmentos céticos sugerem replicar procedimentos científicos padronizados para analisar amostras da substância. A ausência de estudo laboratorial e a variação de intensidade do fenômeno são apontadas como razões para manter prudência. Contudo, até o momento, a paróquia não sinalizou intenção de disponibilizar o líquido para investigações externas.

Fatores climáticos e materiais

O clima de Honolulu, caracterizado por elevados índices de umidade e temperaturas moderadas, favorece reações químicas em determinados tipos de tinta, verniz e cola presentes em quadros antigos ou mal vedados. Especialistas em conservação de obras de arte explicam que substâncias orgânicas podem migrar para a superfície em forma de exsudato, especialmente quando submetidas a variações bruscas de calor. Ainda assim, não há elementos suficientes para afirmar que o óleo observado na peça havaiana tenha origem nesse tipo de processo.

Além disso, o fato de o quadro ter estrutura simples, produzida comercialmente e não datada de séculos atrás, reduz a chance de conter resinas naturais usadas em iconografia tradicional. Isso não impede, porém, que a impressão ou a moldura tenham recebido camadas de verniz ou aditivos aromáticos durante fabricação ou restaurações anteriores.

Perspectivas para novos estudos

Tanto setores religiosos quanto acadêmicos demonstram interesse em analisar a substância exsudada, mas esbarram na questão da disponibilidade de amostras e na autorização eclesiástica. Em análises similares realizadas em outras partes do mundo, laboratórios identificaram óleos de base vegetal, substâncias sintéticas e até derivados de hidrocarbonetos comuns. Nenhum estudo desse tipo foi oficialmente iniciado sobre o Ícone Havaiano de Íveron.

Se implementada, uma investigação precisaria envolver coleta controlada, armazenamento em recipiente estéril, cromatografia, espectrometria de massa e comparação com amostras de mirra comercial. Também seria importante observar o quadro em diferentes condições ambientais para verificar variação de fluxo ou eventuais pontos de infiltração.

Continuidade das peregrinações

Enquanto não há confirmação ou refutação científica, as viagens do quadro prosseguem. A agenda mais recente incluiu visitas a dioceses ortodoxas em Illinois, Califórnia, Flórida e Texas, além de paróquias na Grécia e na Alemanha. Em cada destino, a logística envolve transporte aéreo com seguro especializado, escolta dos organizadores e passagem rápida por canais alfandegários.

Durante as celebrações, líderes locais promovem vigílias, procissões e missas que podem durar horas. Os fiéis têm a oportunidade de tocar o quadro com objeto pessoal ou recebem algodão impregnado de óleo distribuído pelos assistentes. Em geral, o padre Nectarios mantém um diário de bordo, anotando quantidade de mirra recolhida, intensidade do perfume e relatos de testemunhos apresentados.

Interesse da mídia e redes sociais

O fenômeno ganhou destaque em redes sociais a partir de 2025, quando vídeos que mostravam o óleo escorrendo foram amplamente compartilhados. Imagens de fieis ajoelhados diante do objeto e close-ups da substância reluzindo sob a luz do altar circularam em plataformas de vídeo. Usuários apontaram a possibilidade de manipulação, enquanto defensores reforçaram argumentos de autenticidade.

A repercussão digital, por sua vez, intensificou o fluxo de visitantes e incentivou a produção de material jornalístico em diversos idiomas. Em geral, as reportagens destacam a origem modesta do quadro e o contraste entre seu valor monetário inicial — apenas 20 dólares — e a projeção internacional alcançada após os relatos de mirra.

Considerações finais

O Ícone Havaiano de Íveron continua a ser considerado um caso singular dentro da tradição ortodoxa contemporânea. Reconhecido pela Igreja Ortodoxa Russa como portador de milagre, o quadro é ponto de convergência entre devoção, curiosidade pública e questionamentos científicos que permanecem sem resposta documentada. Enquanto laboratórios independentes não analisarem a substância e não houver investigação médica sistemática sobre as curas relatadas, o fenômeno seguirá no campo da crença individual.

Para a comunidade local, o quadro representa sinal de esperança, reforço de fé e oportunidade de convivência em torno de ritos antigos. Para observadores externos, a falta de evidências tangíveis mantém o episódio em estado de expectativa. Nas peregrinações, no entanto, a combinação de aroma persistente, escorrimento periódico e testemunhos continua a atrair multidões, solidificando a história de um objeto comprado por quantia simbólica que passou a ocupar espaço relevante na devoção de milhões de fiéis.

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