Washington, Estados Unidos – Subramanyam “Subu” Vedam, de 64 anos, viveu duas reviravoltas em menos de 48 horas. Na manhã de 2 de outubro, a Justiça norte-americana anulou a condenação por homicídio que o mantinha encarcerado desde 1980. No dia 3, logo após atravessar o portão de saída do presídio, agentes do Serviço de Imigração e Controle de Alfândega (ICE, na sigla em inglês) o conduziram a um centro de detenção migratória, onde permanece sob custódia e pode ser deportado para a Índia.
Quatro décadas de prisão encerradas por novas provas
O processo criminal contra Vedam começou em 1980, quando ele foi acusado de matar Thomas Kinser, amigo de infância em State College, Pensilvânia. Em 1983, um júri o considerou culpado; no entanto, a acusação baseou-se em testemunhos obtidos sob pressão e em evidências consideradas frágeis. Durante décadas, a defesa buscou reverter a sentença, sustentando que o réu jamais participou do crime.
No início de 2023, após sucessivos recursos, peritos e advogados apresentaram elementos que desqualificaram as provas usadas no julgamento original. O Ministério Público local retirou as acusações, reconhecendo que não havia base para sustentar a condenação. A decisão levou à anulação formal da sentença em 2 de outubro, encerrando, no âmbito criminal, um caso que se estendeu por mais de 43 anos.
Com a ordem de soltura emitida pela Vara de Execuções Penais, Vedam deixou a penitenciária estadual onde cumpria pena. Segundo familiares, ele não pisava fora dos muros desde os 21 anos de idade. A expectativa era de que passasse os primeiros dias em liberdade com parentes que o aguardavam na porta do presídio.
Detenção migratória imediata
A saída, porém, foi interrompida por agentes do ICE, que apresentaram um mandado de detenção migratória vinculado a uma ordem de deportação de 1988. Esse documento foi expedido durante o segundo julgamento do caso e permaneceu ativo mesmo enquanto o réu estava encarcerado no sistema penitenciário estadual.
Na prática, o mandado autoriza o governo federal a remover Vedam do território norte-americano e enviá-lo ao país onde nasceu. O homem, porém, deixou a Índia quando tinha apenas nove meses e nunca mais retornou. Cresceu em State College, estudou na escola pública local e fala inglês com sotaque típico da região, conforme relatou a família.
Em nota oficial, o porta-voz do ICE, Jason Koontz, classificou Vedam como “criminoso contumaz com histórico desde 1980”. O comunicado informa que o detento permanecerá sob custódia enquanto a agência “organiza sua remoção em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis”. O texto não detalha condições de alojamento, acesso a assistência jurídica ou visitas de familiares.
Centro de detenção superlotado
Vedam foi levado para uma unidade onde, segundo a imprensa local, há aproximadamente 60 homens dividindo espaço limitado. Parentes relatam dificuldade de comunicação com a administração do local e desconhecem as rotinas impostas aos detentos. Mensagens enviadas por Vedam indicam frustração: “Meu nome foi limpo, não sou mais prisioneiro; agora sou detento de imigração”, escreveu ele em contato rápido com a família.
A irmã, Saraswathi Vedam, afirmou que não houve tempo sequer para abraçar o irmão. Para ela, a íntegra da vida adulta do parente já foi sacrificada e a nova detenção prolonga o sofrimento. A sobrinha, Zoë Miller-Vedam, ressaltou que o tio se considera americano em todos os aspectos culturais, exceto no registro de nascimento.
Ordem de deportação de 1988 segue válida
Nos Estados Unidos, ordens de deportação podem permanecer ativas indefinidamente, mesmo que a pessoa seja condenada posteriormente à prisão. Como o processo migratório ocorre em esfera administrativa federal, não há exigência de que o documento seja revisto automaticamente quando a condenação penal é anulada. Caberá agora à defesa solicitar a suspensão da remoção, o que pode envolver novo processo nos tribunais de imigração ou pedido de perdão presidencial.
Especialistas consultados pela mídia norte-americana indicam que, mesmo após a reversão da sentença criminal, a lei de imigração considera a ordem de 1988 plenamente executável. O argumento deve girar em torno do tempo vivido no país, da ausência de laços com a Índia e do impacto humanitário de expelir alguém que passou a vida nos Estados Unidos.
Trajetória de vida restrita ao território norte-americano
Subramanyam Vedam nasceu em 1959 no estado de Andhra Pradesh, sul da Índia. Aos nove meses, viajou com os pais para a Pensilvânia, onde o pai ingressou em programa de pós-graduação. A família se estabeleceu em State College, cidade universitária que abriga o campus principal da Pennsylvania State University.
Durante a infância, Vedam frequentou escolas públicas locais e formou-se no ensino médio antes de começar o curso universitário, interrompido pela prisão. Os documentos judiciais indicam que ele não possui passaporte indiano válido, nunca teve residência no país de origem e não mantém vínculo político ou econômico com esse território.
Imagem: um crime que não cometeu
Processo criminal revisado
A reviravolta judicial começou a ganhar força no fim da década de 2010, quando organizações de revisão de sentenças assumiram o caso. A defesa apresentou relatórios técnicos apontando falhas nas perícias iniciais, inconsistências nos depoimentos e indícios de coerção. Testemunhas que sustentaram a acusação na década de 1980 voltaram atrás ou tiveram a credibilidade questionada.
Em janeiro deste ano, o Ministério Público encaminhou petição solicitando o arquivamento, alegando falta de provas. A juíza responsável concordou e, ao tornar sem efeito a condenação, determinou a soltura imediata do réu. A decisão também cancelou as obrigações de regime probatório e linhas consequentes da pena.
Família defende permanência nos EUA
Parentes de Vedam organizam campanha para evitar a deportação. Argumentam que a vida do ex-presidiário está enraizada nos Estados Unidos, país onde se encontra sua rede de apoio. Caso seja removido, temem que ele enfrente dificuldades de adaptação em nação que não conhece, sem recursos nem família imediata.
Advogados estudam opções, entre elas pedido de suspensão da ordem com base em “fatores excepcionais e extremamente incomuns”, previstos na legislação migratória, e possível naturalização por meio de vias humanitárias. No entanto, até que medidas jurídicas avancem, o detido continua sob responsabilidade do ICE.
Condições de saúde e acesso a assistência
Não há confirmação oficial sobre o estado de saúde de Vedam, mas familiares manifestam preocupação com o impacto de 43 anos de encarceramento seguidos por nova restrição de liberdade. Segundo relatos, a comunicação telefônica no centro de detenção é limitada e, em alguns casos, depende de recursos financeiros que o detento ainda não possui.
Grupos de direitos civis monitoram a situação, alegando que centros de detenção migratória frequentemente apresentam superlotação e disponibilidade restrita de serviços médicos. Embora o ICE informe seguir padrões de custódia, dados públicos mostram que inspeções periódicas apontam falta de pessoal de enfermagem e estruturas antiquadas em algumas instalações.
Próximos passos no processo migratório
Para contestar a deportação, a defesa deve protocolar moção pedindo reabertura do caso no tribunal de imigração competente. Advogados podem alegar mudança nas circunstâncias – principalmente a anulação da condenação criminal – e fornecer evidências de vínculos familiares e comunitários. O governo, por sua vez, pode insistir na remoção, sustentando que a ordem anterior não foi invalidada automaticamente.
Se o tribunal negar o pedido, a defesa ainda pode recorrer ao Conselho de Apelações de Imigração e, em última instância, aos tribunais federais. Procedimentos desse tipo podem levar meses ou anos, durante os quais o detento pode permanecer custodiado, a menos que obtenha liberdade provisória mediante pagamento de fiança ou outro mecanismo.
Impacto de longo prazo
O caso reacende debates sobre a sobreposição dos sistemas penal e migratório nos Estados Unidos. Organizações que contestam a deportação automática de indivíduos que já cumpriram ou tiveram anuladas as penas defendem revisão de políticas que, segundo elas, punem duas vezes a mesma pessoa. No entanto, o Departamento de Segurança Interna mantém política de priorizar remoções quando há ordens antigas vigentes.
Para Subramanyam Vedam, a decisão final determinará se ele iniciará vida em liberdade no país onde cresceu ou se terá de reconstruir a própria história em território desconhecido. Até lá, segue aguardando em centro de detenção, amargando a rápida transição de ex-condenado inocentado para detento de imigração.





















