Um passeio de fim de semana em uma área rural de Queensland, na Austrália, terminou em tragédia para a família Frahm. Tristian Frahm, menino de 11 anos, viajou até a propriedade do pai, Kerrod Frahm, situada nas proximidades de Murgon, com o objetivo de aproveitar alguns dias de descanso. O local é cercado por vegetação densa e conhecido pela presença de cobras marrons e de barriga vermelha, espécies venenosas que, apesar de perigosas, costumam conviver com moradores habituados ao ambiente campestre. Mesmo nesse cenário, crianças da região circulam frequentemente descalças e incluem as margens dos riachos nas rotinas de brincadeiras.
O dia do incidente
No sábado, aproximadamente às 15h30, Tristian e um meio-irmão decidiram usar um cortador de grama motorizado para alcançar um riacho próximo e, ali, nadar. Durante o deslocamento, o menino caiu do equipamento. Assustado, relatou ao irmão a sensação de ter sido picado por uma cobra. O outro garoto minimizou a possibilidade e sugeriu que o contato teria sido apenas com um galho. Os adultos chamados para verificar não encontraram marcas de perfuração evidentes no corpo de Tristian, algo relativamente comum em picadas de cobras marrons, que podem deixar sinais quase imperceptíveis.
Mesmo sem vestígios claros na pele, Tristian apresentou sintomas logo depois de retornar ao acampamento. Testemunhas ouvidas pelo Coroners Court of Queensland relataram palidez, desorientação, dificuldade de fala, andar cambaleante e episódios de vômito. Durante a avaliação informal, alguém mencionou a hipótese de que os meninos pudessem ter ingerido bebidas alcoólicas guardadas pelo pai no alojamento.
A decisão do pai e a ausência de atendimento médico
Kerrod Frahm, considerando plausível a suspeita de consumo de álcool, repreendeu o filho. De acordo com o inquérito, ele teria dito: “Se você andou pegando minhas cervejas, então vai deitar”. Em vez de encaminhar o garoto a um serviço de saúde, o pai orientou que Tristian tomasse um banho e dormisse, acreditando que o descanso ajudaria a dissipar os efeitos de uma suposta embriaguez. Ao longo da noite, os sintomas se intensificaram. O menino vomitou várias vezes, queixou-se de dores abdominais agudas e, em determinado momento, desabou do lado de fora do alojamento.
O irmão mais novo tentou chamar Kerrod para solicitar ajuda, porém não conseguiu acordá-lo. A madrugada avançou sem que qualquer socorro médico fosse acionado. A propriedade não contava com sinal de celular, acesso à internet nem kit de primeiros socorros, fatores que dificultaram a resposta a uma situação que exigia intervenção rápida.
Constatação da morte e resultado da autópsia
Na manhã seguinte, Tristian já estava sem vida. O serviço forense confirmou que a causa do óbito foi envenenamento por picada de cobra marrom (Pseudonaja sp.), considerada uma das espécies mais letais da Austrália. Segundo dados apresentados no processo, aproximadamente 3% dos envenenamentos provocados por cobras marrons resultam em hemorragias internas e colapso cardíaco, exatamente o quadro que acometeu o menino.
A legista Ainslie Kirkegaard, responsável pelo caso, destacou que o desfecho poderia ter sido diferente caso o primeiro atendimento tivesse ocorrido logo após os sintomas iniciais. Apesar de a fazenda não dispor de meios de comunicação imediatos, o hospital mais próximo da propriedade situava-se a cerca de dez minutos de carro, distância que permitiria acesso relativamente rápido a antiveneno e suporte avançado.
Falhas comuns em primeiros socorros a picadas de cobra
Especialistas ouvidos na investigação esclareceram que picadas de cobras marrons frequentemente não deixam marcas visíveis. O toxicologista e médico de emergência Mark Little indicou que os sinais iniciais costumam incluir náusea, tontura e vômitos, evoluindo em curto intervalo para alterações na coagulação sanguínea e colapso circulatório. Mesmo assim, apenas cerca de 20% das pessoas picadas na Austrália recebem o procedimento de primeiros socorros correto antes da chegada ao hospital.
O protocolo recomendado pelo serviço de emergência australiano envolve três passos essenciais: ligar imediatamente para o número de socorro, aplicar uma bandagem de compressão firme da extremidade ao tronco (técnica pressionar-imobilizar) e manter a vítima o mais imóvel possível. A finalidade é retardar a circulação do veneno pelo sistema linfático até a administração do antiveneno apropriado.
Conclusões da investigação judicial
Durante a audiência, a juíza Ainslie Kirkegaard observou que qualquer suspeita de picada deve ser tratada como emergência. Ela ressaltou que, na ausência de marcas evidentes, a sintomatologia apresentada por Tristian — palidez, vômito, confusão e perda de coordenação motora — era compatível com envenenamento e exigia avaliação hospitalar imediata. Ainda de acordo com a magistrada, somente à luz dos fatos conhecidos em retrospecto foi possível considerar insuficientes as ações e omissões dos adultos presentes.
O relatório final deixou registrado que a combinação de múltiplas falhas contribuiu para a morte do menino: a demora em reconhecer a gravidade da situação, a suposição incorreta de ingestão de álcool, a inexistência de equipamentos básicos de primeiros socorros, a falta de meios de comunicação disponíveis na propriedade e a decisão de não transportar a vítima ao hospital mais próximo.
Contexto regional e risco de cobras venenosas
Queensland abriga uma diversidade de espécies de répteis, e a cobra marrom figura entre as que provocam maior número de acidentes graves. Apesar disso, incidentes fatais são raros quando as orientações de primeiros socorros e a administração de antiveneno ocorrem dentro do intervalo recomendado. Nos centros urbanos, as campanhas de saúde pública enfatizam a importância de agir rapidamente. Entretanto, em áreas rurais sem cobertura de telefonia móvel, a resposta depende, muitas vezes, do julgamento dos moradores e da acessibilidade terrestre a unidades de saúde.
Em regiões como Murgon, a vida ao ar livre faz parte da rotina de trabalho e lazer. Crianças acompanham atividades agrícolas, caminham por campos abertos e nadam em riachos, aumentando o potencial de encontros com fauna silvestre. Por isso, autoridades locais alertam para a necessidade de se manter kits de bandagem de pressão disponíveis, aprender técnicas de imobilização e planejar rotas de transporte em caso de emergência. A ausência desses itens na propriedade de Kerrod Frahm foi apontada no inquérito como um fator que dificultou a adoção do procedimento adequado.
A rotina antes do incidente
No dia anterior à morte, Tristian e dois colegas passaram horas ajudando nas tarefas do terreno. Caminharam descalços pelo gramado, recolheram ferramentas e se divertiram dirigindo o equipamento motorizado usado para cortar grama. O ambiente descontraído contribuiu para que o primeiro relato de possível picada fosse relativizado tanto pelos próprios garotos quanto pelos adultos, habituados à presença de cobras, mas também acostumados a vê-las evitarem contato direto.

Imagem: Lucas Rabello
A investigação ressaltou que, mesmo quando a vítima crê ter sido picada, a ausência de pontos de sangramento ou dor imediata intensa pode levar à subestimação do perigo. No caso de Tristian, a combinação de sintomas sistêmicos rápidos — especialmente vômito e desorientação — deveria ter elevado o nível de alerta. Os registros do inquérito mostram que, na noite do incidente, o menino chegou a usar o banheiro várias vezes, voltando a vomitar no intervalo de poucas horas.
Tempo de evolução e colapso circulatório
Cobras marrons possuem veneno predominantemente neurotóxico e hemotóxico, capaz de comprometer a coagulação do sangue e induzir parada cardíaca. Conforme documentos apresentados ao tribunal, o colapso circulatório pode ocorrer em intervalo de duas a doze horas após a picada, dependendo da quantidade de veneno injetada, da idade e do peso da vítima. Crianças, em especial, tendem a manifestar sintomas mais rapidamente devido ao menor volume sanguíneo.
Tristian iniciou os sintomas pouco depois das 15h30 e morreu antes das 7h da manhã seguinte, período compatível com o padrão clínico descrito por toxicologistas. A autópsia identificou hemorragias internas e falência cardíaca, evidências clássicas de envenenamento sistêmico por Pseudonaja.
Responsabilidade e aprendizado
O inquérito não tinha como objetivo aplicar sanções penais de imediato, mas esclarecer as circunstâncias da morte e formular recomendações para prevenir ocorrências semelhantes. Entre os pontos listados, a juíza frisou a importância de sinalização em propriedades particulares sobre a presença de serpentes venenosas e a necessidade de dispor de bandagens de compressão em locais visíveis e de fácil acesso.
Também foi sugerido que escolas da região reforcem programas de conscientização entre crianças e adolescentes, ensinando identificação de risco, procedimentos após picadas e a relevância de comunicar adultos sem demora. Para moradores de áreas isoladas, a aquisição de dispositivos de comunicação por satélite ou rádios VHF foi apontada como estratégia que pode reduzir o tempo de resposta dos serviços de emergência.
Repercussão comunitária
A tragédia mobilizou debates entre residentes de Murgon sobre práticas de segurança em fazendas e sítios. Propriedades de pequeno porte, frequentemente administradas por famílias, costumam manter estoques de bebidas alcoólicas em geladeiras externas ou depósitos, o que, segundo vizinhos, pode ter contribuído para a suspeita inicial de Kerrod Frahm em relação ao filho. O caso gerou discussões sobre a necessidade de armazenamento seguro de álcool e comunicação clara entre pais e crianças para evitar mal-entendidos que retardem busca por ajuda médica.
Quadro estatístico das picadas na Austrália
Dados divulgados pelo Serviço de Saúde de Queensland indicam que o país registra, em média, entre duas e três mortes por picadas de cobra por ano, número considerado baixo diante da população ofídica local. Especialistas atribuem a taxa reduzida de fatalidade à disponibilidade de antiveneno e a campanhas educacionais implementadas desde a metade do século XX. Ainda assim, episódios rurais envolvendo crianças representam parcela sensível das estatísticas de casos graves.
Entre as medidas de prevenção recomendadas, destacam-se uso de calçados fechados em áreas de mato alto, limpeza periódica de entulhos e incentivo a que moradores mantenham número de emergência anotado em locais visíveis. A morte de Tristian reforçou a necessidade de se olhar além dos sinais óbvios. Palidez súbita, vômito persistente e confusão, mesmo na ausência de ferimentos aparentes, devem ser encarados como alerta para possível envenenamento.
Desdobramentos familiares
A família Frahm, segundo registros do tribunal, viveu um fim de semana que começou com expectativas de confraternização e terminou com a perda irreparável de um filho de 11 anos. O caso permanece como referência nos arquivos da Coroners Court of Queensland para ilustrar a importância de atenção imediata em suspeitas de picada. Para as comunidades rurais, a história de Tristian serve de lembrete de que rapidez e informação adequada podem separar a vida da morte em poucos minutos.
No entendimento da juíza, a morte foi consequência direta de uma série de decisões baseadas em suposições. A conclusão oficial reforça que qualquer dúvida sobre a origem dos sintomas deve levar à busca urgente por atendimento profissional. Em circunstâncias envolvendo crianças, a orientação é não descartar a possibilidade de envenenamento, mesmo diante de explicações alternativas aparentemente plausíveis.
De forma objetiva, o inquérito termina com recomendação clara: caso exista suspeita de picada de cobra, o protocolo médico deve ser seguido à risca antes de se considerar qualquer outra hipótese. O episódio de Murgon deixa, assim, um legado de aprendizado para profissionais de saúde, educadores, comunidades rurais e famílias que convivem com a fauna silvestre australiana.





















