Duas mulheres posando sobre uma antiga garra mecânica dentro da Zona de Exclusão de Chernobyl voltaram a chamar atenção nas redes sociais. A fotografia, feita antes da suspensão das visitas à área, expõe um dos equipamentos mais contaminados do local e levanta novamente discussões sobre risco radiológico e turismo em áreas atingidas por acidentes nucleares.
O registro fotográfico e o contexto da visita
O clique mostra as visitantes sentadas de maneira aparentemente descontraída sobre uma grande peça metálica, enferrujada e coberta por poeira. O cenário reconhecível é o terreno ao redor da antiga usina nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, onde explodiu o reator número quatro em abril de 1986. Até o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro de 2022, o local recebia grupos de turistas acompanhados por guias licenciados, com regras estritas que proibiam contato físico com estruturas potencialmente contaminadas.
A peça em questão é a garra de uma escavadeira industrial usada nas primeiras semanas de descontaminação, logo após o acidente. O equipamento foi empregado para recolher destroços do telhado e do prédio do reator, todos altamente impregnados com partículas radioativas. Desde então, a garra permanece ao ar livre, onde a ação do tempo não foi suficiente para reduzir de forma significativa o nível de radiação emitido.
Por que a garra é considerada tão perigosa?
Durante as operações de limpeza, técnicos e militares soviéticos operaram máquinas pesadas a fim de remover grafite do núcleo, barras de combustível nuclear quebradas, concreto e metal retorcido. Esses materiais, lançados para fora do edifício pelo calor extremo da explosão, apresentavam altíssimos níveis de contaminação. A garra acumulou poeira com radionuclídeos de césio-137, estrôncio-90 e outros isótopos, tornando-se, segundo especialistas, um dos objetos mais radioativos ainda acessíveis na área externa da usina.
Nível de emissão: medições apontam que a garra libera cerca de 0,3 milisievert (mSv) por hora. Para efeito de comparação, uma radiografia de tórax convencional expõe o paciente a aproximadamente 0,1 mSv. Numa visita rápida — inferior a vinte minutos — a dose absorvida se equipara a um exame médico rotineiro. Entretanto, a simples taxa de emissão não representa o principal perigo: a poeira radiativa que recobre o metal pode aderir à pele, às roupas e ser inalada ou ingerida, prolongando o tempo de exposição muito além do momento da foto.
Qualquer partícula microscópica depositada no trato respiratório ou no sistema digestório continua irradiando tecidos internos até ser eliminada ou decair, processo que, no caso de alguns radionuclídeos, pode levar décadas. Por isso, protocolos de segurança em passeios pela Zona de Exclusão exigiam que visitantes evitassem sentar, tocar ou apoiar objetos pessoais em superfícies suspeitas; também determinavam a lavagem externa de roupas ao retorno e passagem por monitor de radiação corporal.
Unidades de medida e efeitos biológicos
A radiação ionizante é quantificada em diversas unidades. A mais usada para avaliar risco à saúde humana é o sievert (Sv), que considera o efeito biológico no organismo. A Organização Mundial da Saúde estabelece 1 mSv por ano como limite recomendado para a população geral, excluindo exposições médicas ou ocupacionais específicas. Um trabalhador do setor nuclear pode receber até 20 mSv anuais, distribuídos ao longo de cinco anos.
Assim, permanecer próximo à garra por uma hora representa 30% da dosagem recomendada para um ano inteiro de um indivíduo comum. Apesar de não representar, isoladamente, uma ameaça de dano agudo — como queimaduras ou síndrome de radiação —, a exposição acumulada aumenta o risco estatístico de câncer a longo prazo. Além disso, qualquer contaminação interna, ainda que pequena, eleva esse risco em escala que varia conforme o isótopo e o período de permanência no corpo.
A suspensão do turismo e o impacto da guerra
Antes de 2022, a indústria turística em Chernobyl ganhou força, impulsionada por produções culturais, documentários e séries de TV que reavivaram o interesse pelo desastre. Agências licenciadas ofereciam excursões de um dia saindo de Kiev, com passagens por pontos como a cidade fantasma de Pripyat, o parque de diversões inacabado, o reator número quatro coberto pelo New Safe Confinement e o “cemitério de veículos”, onde repousa a garra da escavadeira.
Com a invasão russa, as forças militares ocuparam a região da usina logo nas primeiras 48 horas do conflito. Esse movimento interrompeu imediatamente todas as atividades turísticas e levantou preocupações sobre a integridade de depósitos de resíduos e do próprio sarcófago que envolve o reator destruído. Desde então, o perímetro permanece restrito e sujeito à administração de autoridades ucranianas e organismos internacionais de segurança nuclear, sem previsão de reabertura para visitantes.
O “Pé de Elefante” e o epicentro do risco radiológico
Embora a garra seja vista como uma “curiosidade perigosa”, o verdadeiro foco de radiação em Chernobyl está selado dentro da estrutura de concreto e aço que recobre o antigo prédio do reator. Ali, a aproximadamente dez metros abaixo do nível do solo, encontra-se uma formação apelidada de “Pé de Elefante”, criada pela fusão do combustível nuclear com concreto, areia, aço e entulho.
Essa massa de corium foi descoberta em 1986 e estimativas iniciais indicavam nível de radiação em torno de 10.000 röntgens por hora — dose capaz de matar um ser humano em minutos. Hoje, a atividade caiu, mas continua alta o suficiente para provocar efeitos graves em tempo reduzido: 30 segundos sem proteção causariam danos celulares irreversíveis; cinco minutos seriam potencialmente fatais.
Os sintomas de exposição tão intensa incluem vertigem, fadiga extrema, náuseas e hemorragias internas, evoluindo rapidamente para falência de múltiplos órgãos. Por essa razão, o “Pé de Elefante” entrou para o registro histórico como um dos materiais mais perigosos já catalogados, permanecendo isolado e fora do alcance público.

Imagem: Lucas Rabello
Dados do acidente de 1986 e consequências humanas
O desastre de 26 de abril de 1986 resultou em 31 mortes diretas, atribuídas sobretudo à síndrome aguda da radiação e a queimaduras térmicas. Estudos epidemiológicos posteriores indicam milhares de óbitos adicionais por câncer, principalmente leucemia e tumores de tireoide, ligados à exposição a césio-137 e iodo-131 liberados na atmosfera. Comunidades na Ucrânia, Belarus e Rússia foram as mais afetadas.
Em resposta, autoridades soviéticas isolaram uma área de 30 quilômetros ao redor da usina, criando a chamada Zona de Exclusão. Milhares de residentes foram realocados. Quatro décadas depois, o entorno apresenta bolsões de contaminação persistente, enquanto outras áreas mostram níveis próximos aos naturais. No entanto, estruturas metálicas, dutos e maquinário pesado usados na etapa inicial de contenção ainda retêm radionuclídeos em concentrações perigosas — caso da garra mostrada na fotografia.
Conscientização, mito e realidade sobre fotos em Chernobyl
Postagens em redes sociais muitas vezes romantizam o cenário pós-apocalíptico, transformando objetos como a garra em “atrações” fotográficas. Especialistas em proteção radiológica alertam que imagens podem transmitir impressão equivocada de segurança, levando pessoas a menosprezar riscos invisíveis. A radiação não gera calor, cheiro nem cor, de modo que sinais tradicionais de perigo não estão presentes.
O episódio da fotografia viral também evidencia mudança de percepção sobre segurança. O fato de as mulheres terem posado tranquilamente sugere confiança na orientação recebida ou possível desconhecimento da contaminação por partículas. Guias, normalmente, instruíam grupos a manter distância, porém a prática nem sempre era seguida à risca, especialmente em tours informais ou sem supervisão rigidamente controlada.
Comparações entre doses médicas e exposição ambiental
Analistas chamam atenção para diferença entre exposição controlada em exames clínicos e exposição ambiental em áreas contaminadas. Enquanto um raio-X libera dose pontual, com equipamento calibrado e feixe direcionado, a proximidade prolongada a um objeto radioativo permite absorção contínua e imprevisível, influenciada por fatores como vento e contato com superfícies.
Embora o cálculo indique até 0,3 mSv por hora junto à garra, partículas retidas nas vias respiratórias podem aumentar significativamente a dose efetiva sobre determinados órgãos. Além disso, não há modo simples de monitorar a quantidade de poeira realmente inaladas durante a sessão fotográfica. Por essa razão, autoridades de segurança nuclear consideram a interação física com artefatos contaminados uma prática de risco desnecessário.
Perspectivas para a Zona de Exclusão
A longo prazo, o governo ucraniano estuda transformar parte do território em reserva natural e centro de pesquisa científica. A biodiversidade prosperou em algumas zonas desde a remoção da atividade humana, mas estudos indicam efeitos subclínicos da radiação em certas espécies. Seja como patrimônio histórico, seja como laboratório a céu aberto sobre impactos nucleares, Chernobyl permanece objeto de interesse global.
Para o público em geral, a fotografia das duas mulheres sentadas sobre a garra funciona como lembrete visual de que a herança do acidente ainda exige atenção. Mesmo itens aparentemente inertes podem carregar uma carga radiológica suficiente para afetar a saúde de forma silenciosa. O debate atual gira em torno de como equilibrar preservação da memória, pesquisa, turismo e proteção ambiental sem repetir erros do passado.
Conclusão factual
A garra da escavadeira, utilizada em 1986 para remover destroços do reator destruído, permanece como um dos objetos mais radioativos acessíveis na parte externa da usina de Chernobyl. Embora a taxa de 0,3 mSv/h possa não causar efeitos imediatos em curta permanência, o risco principal decorre da poeira contaminada que reveste a peça e pode ser transportada para fora da Zona de Exclusão. O caso ilustra o desafio de comunicar perigos invisíveis e reforça a importância de seguir protocolos de segurança em locais marcados por acidentes nucleares.
Fonte: Mistérios do Mundo