Um artigo de 194 páginas publicado em junho de 2025 na revista Progress in Aerospace Sciences defende que apenas um esforço científico contínuo, conduzido por várias gerações de pesquisadores, poderá esclarecer a natureza dos fenômenos aeroespaciais-submarinos não identificados, hoje designados pela sigla UAP. O trabalho reúne dezenas de cientistas, engenheiros e especialistas de instituições reconhecidas mundialmente, entre eles o astrofísico Avi Loeb, da Universidade de Harvard, e o geneticista Garry Nolan, de Stanford. A equipe argumenta que o tema, historicamente tratado à margem da academia, exige agora programas prolongados, financiados e integrados a diferentes áreas do conhecimento.
Quem assina e por que isso importa
Ao lado de Loeb e Nolan, aparecem nomes como a astrofísica Beatriz Villarroel, do Instituto de Física Teórica da Universidade de Estocolmo, o matemático Jacques Vallée, ligado à Fundação SOL, e pesquisadores associados ao Interdisciplinary Research Center for Extraterrestrial Studies (IFEX), na Alemanha, além da colaboração UAlbany-UAPx, nos Estados Unidos. A adesão de profissionais com carreiras consolidadas em física, biologia e engenharia confere legitimidade inédita ao estudo dos UAPs, área antes relegada a debates periféricos.
Os autores sustentam que, após décadas de sigilo oficial e desinteresse acadêmico, tornou-se evidente que diversos governos investigam seriamente esses acontecimentos, embora disponham de informações limitadas. A mudança de postura ganhou impulso em 2017, quando veio a público a existência, nos Estados Unidos, do Advanced Aerospace Threat Identification Program (AATIP). Desde então, vídeos da Marinha norte-americana, audiências no Congresso e novos órgãos como o All-Domain Anomaly Resolution Office (AARO) passaram a tratar o assunto como possível risco à segurança e desafio científico legítimo.
Um panorama histórico dos relatos
O documento apresenta um levantamento de séculos de observações. Na década de 1930, os chamados ghost flyers sobre a Escandinávia intrigaram autoridades militares. Durante a Segunda Guerra Mundial, pilotos aliados deram o nome de foo fighters a esferas luminosas que seguiam aviões em combate. Investigadores convocados à época sugeriram que havia “algo real” nos relatos, mas o tema não avançou em estudos sistemáticos.
Anos depois, o astrofísico J. Allen Hynek, consultor da Força Aérea dos Estados Unidos no Projeto Blue Book, admitiu ter buscado explicações convencionais mesmo quando os dados não indicavam uma causa plausível. Essa atitude refletia o ceticismo dominante, que rotulava os testemunhos como erro de percepção ou mitologia moderna.
Para os autores do artigo, dois obstáculos atrasaram a pesquisa: a dificuldade de reproduzir os eventos em laboratório e a desconfiança com relação aos relatos de testemunhas. Eles observam, no entanto, que pilotos, operadores de radar e outros profissionais treinados continuam descrevendo objetos capazes de aceleração instantânea, velocidades hipersônicas sem assinatura térmica e transição entre ar e água sem perturbar a superfície.
Reconhecimento governamental e institucional
O estudo recorda que o jornal The New York Times revelou, em 2017, o financiamento de 22 milhões de dólares do Departamento de Defesa dos Estados Unidos ao programa AATIP. Liderada por Luis Elizondo, a iniciativa compilou milhares de registros, concentrando-se em encontros militares. Em 2020, o Pentágono liberou três vídeos captados por aviadores da Marinha, confirmando a presença rotineira de UAPs em áreas de voo restritas. No ano seguinte, um relatório preliminar da Unidentified Aerial Phenomena Task Force (UAPTF) informou ao Congresso que a maioria dos casos permanece sem explicação e não indica origem norte-americana.
A sequência de revelações levou à criação do AARO, encarregado de padronizar a coleta de dados em todas as Forças Armadas. O almirante reformado Tim Gallaudet, ex-chefe da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), declarou que os UAPs podem representar ameaça à segurança nacional, reforçando a urgência de estudos sistemáticos.
Fora dos Estados Unidos, governos também mantêm programas dedicados. Na França, o Groupe d’Études et d’Informations sur les Phénomènes Aérospatiaux Non-identifiés (GEIPAN), ligado à agência espacial CNES, divulga publicamente milhares de ocorrências desde 2009. Registros de radar dos anos 1950, apontados pelo então ministro das Forças Armadas, Robert Galley, permanecem sem solução.
Projetos acadêmicos e privados em curso
A fase atual abriga iniciativas que combinam instrumentação sofisticada e participação de cientistas cidadãos. Entre as mais citadas está o Projeto Galileo, em Harvard, que além de buscar artefatos extraterrestres no sistema solar, instala sensores em solo para documentar UAPs. Na Universidade de Würzburg, o IFEX desenvolve sistemas de detecção para uso terrestre e em nanosatélites. Já a colaboração UAlbany-UAPx adota abordagem estatística rígida: considera anomalias dignas de investigação quando diferentes sensores registram eventos com confiança de pelo menos três desvios-padrão (3σ), exigindo 5σ para afirmar detecção inequívoca.
Na Noruega, o Projeto Hessdalen monitora desde 1984 luzes recorrentes em um vale remoto, correlacionando fenômenos luminosos a variações magnéticas. Nos Estados Unidos, o American Institute of Aeronautics and Astronautics (AIAA) criou o Unidentified Anomalous Phenomena Integration and Outreach Committee (UAPIOC) para reduzir barreiras ao estudo e apoiar divulgação de dados. A Scientific Coalition for UAP Studies (SCU) e o National Aviation Reporting Center on Anomalous Phenomena (NARCAP) complementam o quadro, reunindo pesquisadores de várias disciplinas e recebendo relatos de pilotos.
Evidências físicas: do caso Ubatuba a danos materiais
Embora a maioria dos UAPs apareça de forma breve, alguns episódios deixaram vestígios tangíveis. O estudo menciona apenas um exemplo brasileiro: o incidente de Ubatuba, em 1957, quando testemunhas relataram a explosão de um objeto sobre o litoral paulista. Amostras recolhidas à época foram analisadas por laboratórios que identificaram magnésio quase puro, além de elementos traço. O Projeto Colorado, financiado pela Universidade do Colorado na década de 1960, revisitou o material e detectou manganês, alumínio, zinco, mercúrio, cromo, cobre, bário e estrôncio.
Nos Estados Unidos, um caso de 1979 envolveu o vice-xerife Val Johnson, em Minnesota. Após avistar luz intensa na rodovia, seu carro foi encontrado com para-brisa estilhaçado, antena dobrada em ângulo reto e danos no capô. Johnson relatou cegueira temporária causada pela claridade. A investigação policial registrou a posição incomum do veículo, perpendicular à estrada, e constatou falhas nos relógios internos, que atrasaram 14 minutos.
Outra categoria de indício físico é o chamado “cabelo de anjo”, filamentos que caem do céu após avistamentos. Em Florença, Itália, 1954, substância parecida com fios de algodão foi observada sobre o estádio Artemio Franchi. Análises posteriores atribuíram parte do material a seda de aranha, mas em alguns casos surgiram fragmentos de borosilicato de vidro, sugerindo origem não biológica.
UAPs transmídia: do ar ao mar
Entre os registros mais intrigantes, destacam-se os objetos capazes de atravessar a interface ar-água sem gerar respingos. O vídeo FLIR1, gravado por aviadores do porta-aviões Nimitz em 2004, mostra artefato em formato de Tic-Tac pairando sobre a superfície oceânica. Imagens de 2013, captadas pela Segurança Interna dos EUA perto de Porto Rico, exibem objeto elipsoidal mergulhando várias vezes, mantendo velocidade constante sob a água. Para o almirante Gallaudet, a análise subaquática, ou dos chamados USOs (objetos submersos não identificados), torna-se essencial para compreender a mobilidade transmídia relatada em diversos episódios desde o século XIX.
Contribuição das ciências sociais e impacto na sociedade
O artigo observa que a sociologia e a antropologia trataram historicamente os UAPs como fenômeno cultural, concentrando-se em crenças populares. Pesquisadores como Alexander Wendt e Raymond Duvall sugerem que o reconhecimento oficial de uma presença desconhecida colocaria em xeque a soberania do Estado, explicando, em parte, o sigilo prolongado. Outros estudiosos, entre eles Diana Pasulka e Jeffrey Kripal, comparam relatos de encontros a experiências místicas, defendendo abordagem que una ciência física e análise do comportamento humano.
Na visão dos autores, restringir os UAPs a construções sociais reduz a complexidade do tema e obscurece possíveis implicações tecnológicas, ambientais e de defesa. Por isso, o grupo propõe integração de métodos das humanidades e das ciências exatas, sem descartar nenhuma evidência a priori.
Necessidade de uma ciência transgeracional
O ponto central do estudo é a recomendação de criar programas universitários permanentes, dotados de financiamento robusto e cooperação internacional, dedicados exclusivamente aos UAPs. A proposta inclui:
- Instalação de estações de observação com sensores ópticos, infravermelhos, de rádio e magnetômetros capazes de operar 24 horas;
- Uso de satélites comerciais e plataformas governamentais para vigiar áreas de incidência recorrente;
- Aplicação de inteligência artificial para filtrar grandes volumes de dados e identificar padrões incomuns;
- Disponibilização de bases de dados abertas, permitindo replicação de resultados por equipes independentes;
- Formação de equipes multidisciplinares que incluam físicos, engenheiros, biólogos, oceanógrafos, psicólogos e especialistas em políticas públicas.
Os autores admitem que, diante da amplitude do fenômeno, respostas definitivas podem demandar décadas. A continuidade geracional, argumentam, evitará a reincidência do ciclo de interesse, descrédito e arquivamento que marcou a história dos UAPs no século XX.
Rumos para as próximas décadas
Para viabilizar a nova fase de pesquisa, o texto sugere cooperação entre universidades, indústria aeroespacial e agências como NASA, ESA, DLR e CNES. Também incentiva iniciativas de ciência cidadã, que podem multiplicar pontos de coleta de dados com custo relativamente baixo. A perspectiva é que a convergência de sensores terrestres, aeronaves, satélites e sistemas submersos permita, em futuro próximo, estabelecer catálogos comparáveis às bases de monitoramento astronômico.
Finalmente, o estudo frisa que a investigação dos UAPs não se resume a curiosidade científica. A possibilidade de avançar a física de propulsão, melhorar sistemas de sensoriamento remoto e aprimorar protocolos de segurança aérea e marítima confere interesse prático à empreitada. Ao recomendar um plano de longo prazo, os autores procuram garantir que a questão, agora legitimada, não retorne ao esquecimento.
Fonte: Portal Vigília