São Paulo – Um novo conjunto de medições obtidas pelo Very Large Telescope (VLT), no Chile, adicionou mais um elemento ao crescente conjunto de anomalias associadas ao objeto interestelar 3I/ATLAS. Observado desde 2023, o corpo celeste apresenta composição química, trajetória e aparência que não se enquadram nos padrões definidos para cometas ou asteroides de origem natural já catalogados. As análises mais recentes revelam a detecção de níquel na forma gasosa, sem a presença simultânea de ferro, característica ausente em cometas típicos e comum em processos industriais de refino de ligas metálicas na Terra. A descoberta aprofunda o debate sobre uma possível origem não natural para o visitante cósmico, hipótese considerada improvável pela maioria da comunidade astronômica, mas defendida por parte dos pesquisadores que acompanham o fenômeno.
Detecção de níquel isolado surpreende equipe do VLT
O estudo, disponibilizado em repositório científico de acesso aberto, examinou espectros de luz coletados na pluma de gás que envolve o 3I/ATLAS. Os pesquisadores identificaram assinaturas de níquel neutro sem a correspondente linha de ferro nas mesmas condições. Em cometas originados em regiões externas do Sistema Solar, os dois elementos costumam surgir juntos, pois são sintetizados simultaneamente nos ejectas de supernovas. A ausência de ferro, portanto, contraria o padrão histórico de observação e motivou a equipe a destacar a descoberta como “surpreendente” e “raríssima” em termos astrofísicos.
A taxa de sublimação de níquel foi calculada em aproximadamente 5 g/s quando o objeto se encontrava a 2,8 unidades astronômicas (UA) do Sol. Os dados indicam ainda aumento exponencial dessa perda de massa à medida que 3I/ATLAS se aproxima da estrela. A dependência segue lei de potência com índice –8,43 ± 0,79, valor muito mais íngreme que o observado em cometas tradicionais, cuja atividade geralmente cresce de forma menos abrupta.
Composição dominada por dióxido de carbono confirma padrão incomum
As conclusões do VLT somam-se aos resultados obtidos anteriormente pelo telescópio espacial James Webb e pelo observatório espacial SPHEREx. Em fevereiro de 2025, esses instrumentos apontaram que a pluma de 3I/ATLAS contém aproximadamente 95 % de dióxido de carbono (CO2) e apenas 5 % de vapor d’água (H2O). A proporção contrasta fortemente com a composição majoritariamente aquosa dos cometas de longo período provenientes da Nuvem de Oort. Até o momento, não se conhecem objetos naturais com fração tão elevada de CO2 e com comportamento simultaneamente distinto em termos de poeira e atividade.
Para explicar os sinais captados no infravermelho, astrônomos desenvolveram duas hipóteses. A primeira considera um núcleo notavelmente compacto, encoberto por cabeleira de poeira extremamente densa, refletindo a maior parte da luz solar. Caso o cenário seja correto, a pressão de radiação exercida pelo Sol empurraria a poeira para longe do objeto e geraria uma cauda alongada, típica de corpos liberando material. Imagens de alta resolução registradas pelo Telescópio Espacial Hubble, todavia, não revelaram estrutura dessa natureza. O halo de gás se estende lateralmente e para trás, mas não apresenta a cauda direcional esperada.
A segunda hipótese sugere um núcleo sólido de cerca de 46 km de diâmetro. Essa interpretação implica um corpo um milhão de vezes mais massivo que 2I/Borisov, objeto interestelar detectado em 2019. Caso o modelo se confirme, o rastreamento estatístico de visitantes interstelar indicaria que astrônomos deveriam ter detectado milhões de corpos semelhantes a Borisov antes de encontrar um gigante como 3I/ATLAS. A discrepância estatística reforça a condição excepcional do novo visitante.
Trajetória alinhada ao plano da eclíptica intriga pesquisadores
Observações orbitais revelaram que a trajetória de 3I/ATLAS é notavelmente coplanar com a eclíptica, a faixa que marca o plano orbital dos planetas solares. Para grande parte dos corpos vindos do espaço interestelar, espera-se distribuição aleatória de inclinações, pois não existe relação dinâmica direta entre planetas e objetos de origem extrassolar. No caso específico, o alinhamento levou alguns pesquisadores, entre eles o astrofísico Avi Loeb, a levantar a possibilidade de direcionamento deliberado rumo ao interior do Sistema Solar. Embora a hipótese não represente consenso científico, a coincidência geométrica é considerada notável e segue investigada por grupos de dinâmica orbital.
Encontro com sonda marciana poderá esclarecer dimensões do núcleo
No dia 3 de outubro de 2025, 3I/ATLAS passará a aproximadamente 29 milhões de quilômetros do Mars Reconnaissance Orbiter (MRO). O satélite, em órbita de Marte, carrega a câmera HiRISE, capaz de produzir imagens de alta resolução. No melhor cenário, a passagem permitirá fotografias com detalhe de 30 km por pixel. Embora o nível de detalhe não seja suficiente para revelar minúcias da superfície, pode separar visualmente a contribuição do núcleo e da cabeleira, auxiliando no cálculo de diâmetro e albedo. O estreito intervalo de observação exige planejamento prévio e aprovação de tempo de instrumento, decisão que deverá ser tomada nos próximos meses pela equipe da missão.
Defesa de monitoramento por rádio amplia busca de indícios tecnológicos
Durante apresentação em conferência internacional realizada em Copenhague, Loeb recomendou observações de 3I/ATLAS em radiofrequência utilizando redes de radiotelescópios. O objetivo é detectar eventuais emissões dirigidas ou não, que poderiam sugerir atividade artificial. A argumentação baseia-se no fato de que a Terra transmite sinais de rádio de forma contínua há cerca de um século. Caso o objeto tivesse partido da região interna da Nuvem de Oort – localizada a aproximadamente mil UA do Sol – ele poderia ter iniciado viagem justamente no período em que emissões humanas se tornaram detectáveis no espaço profundo. Loeb também relacionou o marco temporal ao primeiro teste nuclear terrestre, ocorrido em 16 de julho de 1945, completando 80 anos em 2025.
A recomendação inclui a utilização de redes como o Very Large Array, o Green Bank Telescope e conjuntos interferométricos de base longa. Esses sistemas permitiriam cobrir bandas de frequência muito amplas e aumentariam a chance de identificar assinaturas tecnológicas caso existam. Até o momento, porém, não há campanha pública programada especificamente para essa busca.

Imagem: Internet
Anomalias químicas levantam paralelo com processos industriais
A presença de níquel isolado sem ferro levou os autores do estudo do VLT a citar a carbonila de níquel como via potencial de produção. O mecanismo, raro em condições naturais, é amplamente empregado na indústria terrestre para refino do metal. Nesse processo, monóxido de carbono interage com níquel a temperaturas moderadas, formando composto volátil que, aquecido, libera o metal em forma altamente purificada. Em escala cósmica, a reação exigiria níveis específicos de pressão de CO e temperaturas pouco usuais em corpos gelados distantes do Sol. A origem artificial, embora especulativa, surge como possibilidade que não pode ser descartada diante dos dados disponíveis.
Em simultâneo, medições de cianeto (CN) identificaram taxa de perda de massa em torno de 20 g/s a 2,85 UA, acompanhada de dependência ainda mais acentuada da distância heliocêntrica, com índice –9,38 ± 1,2. Essa concentração de voláteis pouco comuns reforça a impressão de que o inventário químico de 3I/ATLAS não se assemelha a nada que tenha passado anteriormente pelo monitoramento astronômico.
Estatísticas de objetos interestelares e escala Loeb
Até 2025, apenas três objetos interestelares foram confirmados oficialmente: ‘Oumuamua (1I, 2017), 2I/Borisov (2019) e 3I/ATLAS (2023). O número reduzido dificulta a aplicação de abordagens estatísticas robustas, mas a discrepância no tamanho aparente de 3I/ATLAS, caso o diâmetro de 46 km seja validado, desafia as expectativas probabilísticas. Loeb propôs uma classificação análoga à escala de Kardashev, batizada provisoriamente de Escala de Loeb, para designar o nível de confiabilidade na interpretação de um objeto como provável tecnologia extraterrestre. Em tal métrica, 3I/ATLAS apresentaria nota intermediária e poderia evoluir para nível 10 se confirmadas características inequívocas de fabricação artificial.
Conferência em Copenhague discute fronteiras entre astrofísica e IA
A divulgação dos resultados do VLT ocorreu durante a conferência Current Themes in Astrophysics and Particle Physics 2025, que reuniu físicos e astrofísicos de diversos países, entre eles o laureado com o Nobel de Física David Gross. Em apresentação paralela, Loeb mencionou troca de informações com o físico teórico Alex Lupsasca. O cientista relatou ter encontrado três novas simetrias em espaços-tempos de buracos negros e, posteriormente, solicitado ao modelo linguístico ChatGPT que reproduzisse a descoberta. Apesar de não ter acesso ao artigo original, a inteligência artificial gerou a mesma solução de forma rápida. O episódio foi citado como exemplo de como sistemas de IA avançada podem alcançar desempenho comparável ao raciocínio humano em tarefas de alta complexidade, levantando questões sobre o potencial de uma eventual inteligência extraterrestre superar mesmo essas capacidades.
Próximos passos e expectativas
Equipamentos ópticos, infravermelhos e radioastronômicos continuarão monitorando 3I/ATLAS até seu afastamento definitivo do Sistema Solar, estimado para ocorrer na década de 2030. A janela de observação se estende por vários anos e oferece oportunidade única para testar modelos de composição e mudanças dinâmicas em tempo real. Entre as prioridades listadas por diferentes equipes estão:
- Aprovar e planejar observações pela câmera HiRISE durante a aproximação de outubro de 2025, definindo parâmetros de exposição e cadência;
- Realizar espectroscopia de resolução ainda maior para confirmar a proporção de níquel e identificar outros elementos inesperados;
- Implementar vigilância radioastronômica ampla, cobrindo frequências de micro-ondas até metrômetros para flagrar emissões contínuas ou pulsadas;
- Analisar potenciais mudanças de trajetória que possam indicar jatos de exaustão atípicos ou forças não gravitacionais ainda não modeladas;
- Integrar dados de missões solares, como SOHO e STEREO, na tentativa de captar variações de brilho em alta cadência durante aproximações ao periélio.
A depender dos resultados obtidos, 3I/ATLAS poderá permanecer como simples exceção estatística – um cometa rico em CO2 forjado em condições pouco usuais – ou se tornar o primeiro artefato identificado além de qualquer dúvida razoável como produto de engenharia não terrestre. Embora a segunda hipótese continue remota, a comunidade científica considera fundamental investigá-la com o máximo de rigor, já que as implicações para a compreensão da posição da humanidade no cosmos seriam profundas.
Enquanto instrumentos coletam novas séries de dados, astrônomos alertam que o fenômeno serve de lembrete sobre a diversidade de objetos em trânsito pela galáxia e sobre a necessidade de preparação tecnológica para estudá-los em detalhe. A frequência de detecção deve aumentar nos próximos anos com o início das operações do Observatório Vera C. Rubin, inaugurando um período em que a caracterização de visitantes interestelares passará de evento raro a rotina anual, segundo projeções de sensibilidade.
Fonte: OVNI Hoje