Leicester (Reino Unido) — Uma estudante universitária de 19 anos passou por múltiplas amputações depois de confundir os primeiros sinais de uma septicemia meningocócica com os sintomas comuns de uma gripe.
Primeiros sintomas surgem no início do ano letivo
No começo de setembro do ano passado, Ketia Moponda, caloura do curso de marketing e publicidade na De Montfort University, em Leicester, começou a sentir tosse leve, mal-estar generalizado e acreditou ser apenas a chamada “gripe dos calouros”, problema frequente entre estudantes que chegam à universidade. Na manhã seguinte, a jovem telefonou ao primo e à melhor amiga, descrevendo uma sensação de extremo desconforto e pressentindo que sua condição poderia piorar. Pouco depois dos telefonemas, parou de atender novas chamadas, o que despertou a atenção de colegas e funcionários da instituição.
Preocupados com a falta de resposta, integrantes da equipe da residência estudantil, acompanhados por outro aluno, decidiram entrar no quarto de Ketia. Ela foi encontrada inconsciente e, imediatamente, uma ambulância foi acionada para levá-la ao Leicester Royal Infirmary.
Diagnóstico revela septicemia meningocócica
Ao chegar ao hospital, a condição da estudante já era crítica. Profissionais de saúde constataram que ela apresentava septicemia meningocócica — infecção rara e potencialmente fatal provocada pela bactéria Neisseria meningitidis. O quadro evoluiu rapidamente para meningite bacteriana e, em seguida, para sepse. Testes indicaram saturação de oxigênio no sangue em apenas 1%. Devido à circulação comprometida, a pele perdeu coloração e extremidades começaram a apresentar sinais de necrose, evidenciados por inchaço e tonalidade esverdeada nos pés.
Nesse estágio, os médicos alertaram a família de Ketia sobre o risco iminente de morte ou de danos neurológicos permanentes, mesmo que ela sobrevivesse. Para estabilizar suas funções vitais, a equipe optou por sedá-la e induzi-la ao coma.
Complicações afetam tecidos e membros
Dois dias depois, ainda no hospital, Ketia recobrou a consciência, mas sem conseguir falar ou enxergar. A falta de circulação sanguínea havia afetado não apenas as funções vitais, mas também os tecidos das mãos, dos pés e da região pélvica. A necrose avançou, e cirurgiões precisaram realizar enxertos de pele retirados das coxas para reconstruir partes do quadril.
Nos meses seguintes, o foco passou a ser conter infecções secundárias e avaliar a viabilidade dos membros. Exames detalhados mostraram que dedos, polegares e pernas não apresentavam mais recuperação possível. Em janeiro, a paciente foi submetida a amputações bilaterais logo abaixo dos joelhos e perdeu todos os dedos das mãos, incluindo polegares.
Impacto emocional e fase de adaptação
A notícia das amputações foi, nas palavras de Ketia, devastadora. Recém-ingressa na vida universitária, ela relatou ter sentido como se todo o futuro precisasse ser reconstruído. O choro constante marcou os primeiros dias após saber que as pernas e parte das mãos seriam retiradas. Apesar do choque, a jovem demonstrou disposição para enfrentar a situação.
Durante o período de internação prolongada, recebeu acompanhamento psicológico, além de fisioterapia intensiva. O objetivo era preservar a mobilidade do tronco e a força nos membros restantes, fundamentais para a futura adaptação a próteses.
Reabilitação e próteses
Em maio, a estudante recebeu próteses para as pernas, possibilitando que desse os primeiros passos sem apoio de muletas. Mesmo sem a totalidade das mãos, ela começou a reaprender atividades diárias com o auxílio de terapia ocupacional especializada. Ketia relatou empolgação ao voltar a caminhar e traçou metas que incluem correr na academia assim que tiver liberação médica.
Paralelamente à reabilitação física, a jovem planeja retomar o caminho acadêmico interrompido. Embora as aulas tenham sido adiadas, a universidade se mostrou disposta a oferecer suporte para que ela retorne quando se sentir pronta. Colegas e familiares a descrevem como exemplo de resiliência diante das dificuldades.
Planos para o futuro na moda e mensagem de autoestima
Nascida em Wolverhampton, Ketia sempre demonstrou interesse pela área da moda. Ainda durante a recuperação, decidiu que continuará perseguindo o sonho de atuar como modelo. Segundo a própria estudante, a experiência da amputação evidenciou a importância da representatividade de pessoas com deficiência no setor. Ela afirma não ter intenção de se esconder e deseja incentivar outras pessoas a se sentirem confiantes com o próprio corpo, independentemente de limitações físicas.
A universitária acredita que sua história pode quebrar barreiras e ampliar discussões sobre inclusão, principalmente em ambientes acadêmicos e na indústria fashion. Para isso, pretende usar redes sociais e futuros desfiles como plataformas de sensibilização.

Imagem: Lucas Rabello
Septicemia meningocócica: sintomas e urgência no tratamento
O caso de Ketia ressalta os perigos das infecções causadas pela Neisseria meningitidis. A septicemia meningocócica pode se disseminar rapidamente pela corrente sanguínea, provocando inflamação em vasos, falência de órgãos e morte de tecidos. Os primeiros sinais — febre, dor de cabeça, mal-estar e tosse — costumam confundir-se com doenças respiratórias leves. Entretanto, em poucas horas, podem surgir manchas arroxeadas na pele, dificuldade para respirar e queda brusca da pressão arterial, configurando choque séptico.
Especialistas alertam que, diante de suspeita, é fundamental procurar atendimento médico imediato. O tratamento inclui administração de antibióticos potentes e suporte intensivo para manter funções vitais enquanto o organismo combate a infecção. Em muitos casos, mesmo após a estabilização, podem ocorrer sequelas, como perda auditiva, lesões neurológicas e, como no episódio de Ketia, múltiplas amputações.
Linha do tempo da ocorrência
Setembro (ano passado): primeiros sintomas; tosse leve e sensação de gripe.
Dia seguinte: ligações para familiares e amigos; descoberta de Ketia inconsciente no quarto; encaminhamento ao hospital.
Internação inicial: diagnóstico de septicemia meningocócica; indução ao coma.
Dias posteriores: retorno da consciência sem fala ou visão temporárias; constatação de necrose em extremidades.
Meses subsequentes: enxertos de pele na região pélvica; acompanhamento intensivo.
Janeiro: amputações dos dedos, polegares e pernas abaixo dos joelhos.
Maio: adaptação de próteses nas pernas; primeiros passos independentes.
Atualmente: continuação do processo de fisioterapia, planos de retorno à universidade e carreira na moda.
Perspectivas de longo prazo
Mesmo após receber próteses e iniciar nova rotina, Ketia ainda enfrenta desafios diários: precisa de acompanhamento médico regular para evitar complicações, como infecções secundárias, além de ajustes periódicos nas próteses. A terapia ocupacional prossegue, visando otimizar a mobilidade das mãos remanescentes e permitir maior autonomia nas atividades acadêmicas e profissionais.
Segundo familiares, a jovem estabeleceu metas graduais: concluir o curso de marketing e publicidade, participar de projetos que promovam visibilidade para modelos com deficiência e criar campanhas de conscientização sobre infecções bacterianas graves. O apoio de amigos e da comunidade universitária é apontado como componente essencial para que esses objetivos sejam alcançados.
Importância da vigilância de sintomas em ambientes universitários
Especialistas em saúde estudantil destacam que ambientes compartilhados, como residências universitárias, podem facilitar a disseminação de agentes infecciosos. A cultura de atribuir sintomas iniciais a gripes ou resfriados, sem avaliação médica, contribui para atrasar diagnósticos de condições mais sérias. Organizações de estudantes e equipes de saúde institucional reforçam campanhas educativas que orientam calouros a procurar atendimento diante de febre alta ou piora rápida do quadro clínico.
No caso de Ketia, a ação rápida de colegas e funcionários ao perceberem a ausência de resposta no quarto foi crucial para que ela recebesse tratamento. A estudante ressalta que, sem essa intervenção, a probabilidade de óbito seria ainda maior, dada a velocidade de progressão da septicemia meningocócica.
Relato da paciente sobre superação
Em depoimentos durante a fisioterapia, Ketia mencionou ter pensado em desistir de seus sonhos logo após as amputações. Contudo, afirma ter compreendido, com o passar dos meses, que a deficiência não diminui seu valor ou suas capacidades. Para ela, compartilhar experiências pode oferecer suporte emocional a outras pessoas em situação semelhante.
A jovem reforça a ideia de que a sociedade precisa enxergar a deficiência de modo menos estigmatizado. Seu objetivo imediato é servir de inspiração pela independência conquistada em curto período após cirurgias tão invasivas.
Conclusão
O quadro de Ketia Moponda evidencia as consequências graves de infecções bacterianas inicialmente confundidas com doenças leves. A rápida evolução para sepse exigiu intervenções drásticas, resultando em perda de membros e longa jornada de reabilitação. Apesar disso, a estudante demonstra determinação em retomar a vida acadêmica e alcançar espaço na indústria da moda, servindo de exemplo de superação e destacando a importância de diagnóstico precoce em infecções meningocócicas.