O cultivo de alimentos fora da Terra é um dos pilares para missões espaciais de longa duração. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Kent, no Reino Unido, sinaliza um avanço nesse campo ao demonstrar que mudas de chá conseguem enraizar-se e desenvolver-se em simulante de regolito lunar. A descoberta reforça a estratégia de Utilização de Recursos In-Situ (ISRU) e oferece novas possibilidades de autonomia para futuras bases humanas no satélite natural.
Pressão por autossuficiência em missões espaciais
O retorno programado de astronautas à Lua, impulsionado por programas como o Artemis, da NASA, e projetos paralelos de agências europeias e chinesas, tornou imperativa a redução da dependência de cargas provenientes da Terra. Missões de reabastecimento envolvem lançadores de grande porte, janelas de lançamento restritas e custos elevados, fatores que impactam cronogramas e orçamentos. Nesse cenário, a produção local de água, oxigênio e alimentos figura como caminho para diminuir riscos logísticos e financeiros.
A agricultura espacial ainda enfrenta restrições severas. Fatores como baixa gravidade, radiação, ausência de atmosfera respirável e limitações de volume para estufas exigem soluções específicas. Tradicionalmente, estudos concentram-se em hortaliças de ciclo curto, mas a pesquisa britânica amplia esse horizonte ao testar uma espécie amplamente consumida e de alto valor cultural, o chá (Camellia sinensis).
Parceria entre academia e setor privado
O experimento foi articulado pelo professor Nigel Mason, especialista em Física Molecular, e pela bióloga Sara Lopez-Gomollon, pesquisadora de RNA de plantas. O interesse surgiu durante o Congresso Europeu de Ciência Planetária, quando o cientista planetário independente Maarten Roos-Serote assistiu a apresentações sobre agricultura extraterrestre na Escola de Ciências Naturais de Kent. A partir daí, o grupo estabeleceu contato com a Dartmoor Estate Tea, plantação britânica que forneceu mudas selecionadas.
Para viabilizar o estudo, a equipe também contou com suporte de produção da Lightcurve Films e da rede de pesquisa Europlanet. O consórcio possibilitou aquisição de simulantes de solo, infraestrutura laboratorial e acompanhamento de parâmetros ambientais ao longo do cultivo.
Metodologia do cultivo em simulantes lunares e marcianos
Mudas clonadas da variedade de chá escolhida foram plantadas em três substratos distintos:
- Simulante de regolito lunar
- Simulante de regolito marciano
- Solo devoniano, usado como controle terrestre
Cada vaso recebeu controle rigoroso de umidade, temperatura e fotoperíodo, replicando condições planejadas para estufas pressurizadas em ambiente lunar ou marciano. As estudantes Anna-Maria Wirth e Florence Grant monitoraram variáveis como pH, teor de nutrientes, comprimento radicular e índice de área foliar.
O regulito lunar sintético reproduz mineralogia, granulometria e baixa matéria orgânica encontradas nas amostras coletadas pelas missões Apollo. Já o simulante marciano agrega sulfatos e percloratos, compostos que dificultam a germinação. A comparação permitiu avaliar a influência direta da composição química no desenvolvimento das plantas.
Resultados obtidos em cada substrato
Após semanas de acompanhamento, as plantas cultivadas no simulante lunar mostraram taxa de sobrevivência comparável ao grupo controle. Raízes se expandiram, folhas exibiram coloração saudável e não foram registrados sinais de deficiência nutricional críticos. Em contraste, as mudas no simulante marciano apresentaram crescimento limitado, clorose acentuada e, em parte dos vasos, morte prematura.
O desempenho positivo no substrato lunar indica que o regolito, apesar de pobre em carbono orgânico, não impede processos fisiológicos básicos da Camellia sinensis quando suplementado com quantidades mínimas de água e luz. A diferença em relação ao solo marciano reforça a necessidade de tratamentos adicionais para cultivo no Planeta Vermelho, possivelmente incluindo descontaminação de percloratos e adição de matéria orgânica.
Impacto para a arquitetura de futuras bases lunares
Com a confirmação de que o regolito lunar pode sustentar espécies complexas, surgem implicações diretas para o planejamento de habitats. A produção local de chá, ou de outras culturas, pode reduzir volume de carga alimentícia, liberar espaço para equipamentos científicos e diminuir o custo global das missões. Além disso, plantas contribuem para reciclagem de ar, absorvendo dióxido de carbono e liberando oxigênio, etapa vital em sistemas de suporte de vida de ciclo fechado.
O estudo também ressalta benefícios psicológicos. Tripulações isoladas relatam que atividades de jardinagem atenuam estresse e fortalecem coesão do grupo. A possibilidade de preparar uma bebida familiar, cultivada a alguns metros dos módulos habitáveis, pode oferecer conforto adicional durante permanências prolongadas.
Ponte entre pesquisa espacial e agricultura terrestre
Investigar a resiliência de plantas em solos extremos gera conhecimento que pode ser revertido para a agricultura em regiões áridas ou degradadas da Terra. Técnicas de otimização de nutrientes, desenvolvimento radicular e manejo de água em ambientes hostis são transferíveis a cenários onde mudanças climáticas reduzem fertilidade. Estudos futuros podem explorar biofertilizantes ou microrganismos que auxiliem na quebra de minerais do regolito, estratégia já avaliada para terras desérticas.

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Outro ponto de convergência envolve melhoramento genético. Identificar genes associados à tolerância a nutrientes limitados ou à radiação pode orientar programas de desenvolvimento de cultivares mais robustas para uso agrícola convencional.
Próximos passos da equipe
Os pesquisadores pretendem ampliar a avaliação fisiológica das mudas, investigando metabolismo secundário, perfil de flavonoides e eficiência fotossintética. Resultados detalhados ajudarão a definir quais elementos do regolito devem ser suplementados em escala maior. Paralelamente, novos testes incluirão espécies complementares, como legumes fixadores de nitrogênio e vegetais de ciclo curto que contribuam para diversidade nutricional.
Simulações de longo prazo também estão nos planos. A meta é acompanhar o ciclo completo da Camellia sinensis, do enraizamento ao processamento das folhas, permitindo estimar produtividade em quilos por metro quadrado. Esses dados serão valiosos para dimensionar estufas em módulos lunares pressurizados.
Perspectivas para missões Artemis e além
O Programa Artemis, que prevê missões tripuladas e bases semipermanentes no polo sul lunar, poderá usar as conclusões do estudo para definir protocolos de agricultura interna. Localidades próximas a depósitos de gelo fornecerão água, enquanto o regolito filtrado pode servir de substrato. Em combinação com iluminação LED e estufas seladas, será possível criar microambientes autônomos para cultivo de plantas de consumo rápido e longo prazo.
Paralelamente, países como China e parceiros na Europa desenvolvem projetos de ecossistemas artificiais. Ensaios de diversidade vegetal, intercalando espécies folhosas, frutíferas e de grãos, estão em curso. A experiência com chá mostra que culturas economicamente relevantes e com apelo cultural podem integrar listas de prioridade, indo além do foco tradicional em alface, rúcula ou trigo anão.
Questões em aberto
Apesar do sucesso inicial, a adoção em escala requer soluções para aspectos ainda não testados, como:
- Controle de poeira lunar, altamente abrasiva e potencialmente nociva aos sistemas de irrigação;
- Gestão de nutrientes ao longo de vários ciclos de colheita;
- Proteção contra radiação durante tempestades solares;
- Automatização de plantio e colheita em regime de tripulação reduzida.
Aspectos legais e de sustentabilidade também entram na pauta, pois missões internacionais buscam diretrizes para uso de recursos naturais na Lua em consonância com tratados espaciais vigentes.
Aplicações paralelas na Terra
Experimentos em simulante lunar exigem técnicas de economia de água e maximização de absorção de nutrientes. Tais práticas podem ser replicadas em zonas semiáridas, reduzindo extração de aquíferos. Além disso, sensores de umidade desenvolvidos para estufas seladas contribuem para agricultura de precisão, ajudando produtores a monitorar raízes em tempo real e calibrar irrigação por gotejamento.
Outro campo beneficiado é o de substratos alternativos. Pesquisadores investigam misturas de pó de rocha com compostos orgânicos para regenerar solos erodidos. A experiência com regolito indica quais minerais facilitam liberação gradual de micronutrientes, abrindo caminho para formulações comerciais.
Conclusão provisória
A capacidade de cultivar chá em substrato que imita o regolito lunar reforça a viabilidade de sistemas agrícolas em futuras colônias humanas fora da Terra. Embora desafios persistam, o estudo da Universidade de Kent representa passo concreto rumo à autossuficiência alimentar em ambientes extraterrestres. Paralelamente, resultados obtidos podem inspirar soluções para agricultura terrestre em tempos de escassez hídrica e mudanças climáticas.