Uma série de vídeos publicados nas redes sociais reacendeu, nas últimas semanas, o interesse por previsões apocalípticas ligadas ao chamado Arrebatamento, evento descrito por determinadas correntes cristãs como o momento em que os fiéis serão levados aos céus para se encontrar com Cristo. A discussão, que ganhou força a partir da fixação da data de 23 de setembro como suposto marco para o fenômeno, chegou ao ponto de motivar decisões radicais de alguns seguidores, incluindo a venda de imóveis e a doação de pertences.
Previsão atribuída a pastor sul-africano
A movimentação teve origem em declarações do pastor sul-africano Joshua Mhlakela, que afirmou que, entre 23 e 24 de setembro, Deus viria buscar os cristãos devotos. Em vídeos publicados no YouTube, o religioso conectou a data ao Rosh Hashaná, a Festa das Trombetas no calendário judaico, considerada por segmentos cristãos um possível ponto de convergência profética. Para Mhlakela, o toque de trombetas mencionado em textos bíblicos, como 1 Tessalonicenses 4:13-17, seria literal e ocorreria nessa celebração, sinalizando o instante em que “os mortos em Cristo” ressuscitariam primeiro, antes que os vivos fossem arrebatados.
Segundo o pastor, essa etapa representaria apenas o início da segunda vinda de Jesus. Ele reforçou o argumento com referências a 1 João 3:2, passagem que descreve a transformação dos crentes para que se tornem semelhantes ao Cristo ressurreto. Embora a ideia do Arrebatamento exista há séculos em certas interpretações cristãs, a segurança com que o líder religioso fixou dia e horário impulsionou a circulação da teoria na internet.
Redes sociais como catalisador
Plataformas como TikTok, Instagram e YouTube transformaram o anúncio em conteúdo viral. Pastores, influenciadores, especialistas em escatologia e humoristas passaram a comentar o tema, cada qual oferecendo explicações, questionamentos ou sátiras. Trechos de cultos, lives dedicadas à leitura das profecias e até tutoriais de “como se preparar” para o suposto acontecimento se multiplicaram ao longo do mês de setembro.
Na mesma velocidade em que os vídeos se espalharam, públicos distintos passaram a tratar a previsão de maneiras divergentes. Seguidores convencidos enxergaram um chamado à mudança de vida imediata. Internautas céticos destacaram a condensação de previsões falhadas ao longo da história. E criadores de conteúdo humorístico aproveitaram a tendência para produzir esquetes que ironizam o medo coletivo de um fim iminente.
Decisão extrema de uma influenciadora
Entre os casos que chamaram atenção está o da criadora de conteúdo conhecida no TikTok como @alpharoyce_, identificada pelo primeiro nome Gehl. Em vídeos responsáveis por superar 1,1 milhão de visualizações, ela declarou ter doado todos os seus bens após se convencer de que o Arrebatamento ocorreria em 23 de setembro. “Já transferi a escritura da minha casa. Só falta entregar este carro”, afirmou, enfatizando que ainda “não era tarde” para que outras pessoas se alinhassem à crença.
Embora parte dos comentários tenha apontado possível ironia, a influenciadora não deu sinais definitivos sobre tratar a iniciativa como sátira. Em outro vídeo, publicou supostas orientações para quem desejasse se “preparar para o grande dia”, sugerindo oração, jejum e revisão de atitudes pessoais. A ambiguidade do conteúdo dividiu a audiência em três grupos principais: os que consideraram a ação um recado legítimo de fé, os que julgaram tratarse de estratégia para ganhar seguidores e aqueles que a interpretaram como crítica velada ao alarmismo religioso.
Reação bem-humorada de comediantes
Contrapondo a postura de crença absoluta, o comediante norte-americano Kevin Fredericks gravou vídeos satirizando indivíduos que se desfizeram de seus bens. Em um dos trechos mais compartilhados, ele questionou a lógica de definir uma data específica para um evento que, segundo interpretações bíblicas tradicionais, “ninguém sabe o dia nem a hora”. Fredericks também ironizou a questão dos fusos horários, lembrando que há 24 fusos principais — ou 38, caso se considerem divisões de meia hora —, o que, na avaliação dele, criaria dúvida adicional sobre o instante exato do eventual Arrebatamento.
Impactos concretos e comportamentais
Além de depoimentos isolados, circulam nas redes imagens de supostos anúncios de imóveis com preço reduzido, liquidações de itens pessoais e relatos de renúncias financeiras motivadas pela expectativa de 23 de setembro. Até o momento, não há estimativa consensual de quantas pessoas tenham tomado decisões tão extremas, mas especialistas em sociologia da religião observam que previsões apocalípticas costumam gerar ondas de comportamento similares, ainda que restritas a grupos específicos.
Na visão desses estudiosos, fatores como medo, esperança e pressão comunitária se combinam para gerar respostas emocionais fortes. A sensação de urgência — amplificada pela facilidade de compartilhar conteúdo — encoraja certos indivíduos a agir de maneira que, em circunstâncias normais, pareceria improvável. O cenário, contudo, também expõe discordâncias internas entre denominações cristãs, já que muitas rejeitam categoricamente qualquer tentativa de marcar data para o fim.
Ceticismo e lembrança de previsões anteriores
Enquanto parte dos internautas se prepara espiritual e materialmente, outra parcela recorda exemplos de profecias que não se concretizaram. A mais citada é a expectativa de que o calendário maia indicaria o fim do mundo em 2012. Na época, teorias diversas sugeriam datas específicas em dezembro daquele ano. O resultado foi um dia comum, seguido de memes e reflexões sobre a capacidade humana de propagar temores coletivos.
Listas de previsões falhadas também lembram o movimento Heaven’s Gate nos Estados Unidos, em 1997, e o alarme do bug do milênio em 1999. Em cada ocasião, interpretações de sinais celestes, cálculos numéricos ou falhas tecnológicas teriam potencial para alterar o curso da história — algo que não se confirmou. Tais antecedentes reforçam o argumento de críticos: a recorrência de datas marcadas e não cumpridas sugere que o padrão de expectativa e decepção tende a se repetir.
Papéis distintos de líderes religiosos
Mesmo dentro do ambiente cristão, a profecia sobre 23 de setembro encontrou respaldo e rejeição. Alguns pastores enxergam valor no alerta para manter fiéis “preparados” espiritualmente, mas recusam a fixação de dia e hora. Outros afirmam que a marcação de data é incompatível com textos bíblicos que destacam a imprevisibilidade do retorno de Cristo.
Dos que apoiam a ideia de um Arrebatamento iminente, poucos abraçaram a exatidão proposta por Mhlakela. A maioria prefere enfatizar sinais “gerais” do fim dos tempos — guerras, crises ambientais e instabilidade social — sem vincular o fenômeno a um calendário preciso. Desse modo, evitam a pressão de comprovar previsões específicas e resguardam a confiança de suas comunidades.
Fusos horários: questão técnica ou teológica?
O argumento sobre fusos horários se tornou ponto frequente nas discussões. Caso o Arrebatamento ocorresse em 23 de setembro, qual marco deveria ser usado: Jerusalém, Greenwich ou o horário local de cada indivíduo? Teólogos críticos à data sugerida apontam que, se o evento fosse global, a tentativa de enquadrá-lo num relógio humano seria um contrassenso. Já defensores da profecia respondem que Deus poderia agir de modo sincronizado para todos, superando limitações terrenas.
Embora pareça detalhe técnico, a questão ilustra dificuldades práticas que emergem quando se tenta conciliar fenômenos sobrenaturais com cronômetros convencionais. Também cria terreno fértil para questionamentos humorísticos, como o do comediante Kevin Fredericks, que perguntou: “Se o Arrebatamento acontecer primeiro na Austrália, quem avisa o pessoal da Califórnia?”.

Imagem: Lucas Rabello
Ponto de vista de especialistas em comportamento digital
Pesquisadores em comunicação digital observam que, a cada ciclo de previsões apocalípticas, a engrenagem de compartilhamento se sofisticou. Vídeos curtos, filtros dramáticos e estratégias de engajamento tornam narrativas sobre o fim do mundo especialmente atrativas. Ao mesmo tempo, algoritmos tendem a amplificar conteúdos que geram reações fortes, o que inclui choque, medo ou humor ácido.
Dessa forma, mesmo indivíduos ainda indecisos acabam expostos repetidamente a postagens sobre um suposto Arrebatamento de 23 de setembro. Dependendo do número de visualizações, a ideia pode ganhar aparência de consenso, reforçando um ciclo de retroalimentação: mais engajamento gera mais visibilidade, que atrai novos criadores de conteúdo, que por sua vez produzem novos materiais sobre o tema.
Possíveis consequências financeiras e emocionais
Decisões como vender imóveis ou doar patrimônio podem afetar de forma duradoura a vida de quem acredita em previsões específicas. Caso a data passe sem evento extraordinário, indivíduos que se desfizeram de bens podem enfrentar insegurança financeira, constrangimento público e, em alguns casos, conflitos com familiares que discordavam da escolha. Psicólogos apontam que, nesses cenários, é comum observar racionalizações posteriores, nas quais crentes reinterpretam a profecia para justificar o resultado ou adiam a data do acontecimento.
Por outro lado, quem manteve reservas diante da previsão pode experimentar sensação de alívio ou confirmação de sua postura cética. Esse contraste costuma gerar atritos em comunidades religiosas, redes sociais e até em grupos familiares, reforçando polarizações sobre a validade de lideranças espirituais e interpretações literais das Escrituras.
Relato de fiéis em contagem regressiva
Entre os seguidores que abraçaram a data, relatos incluem vigílias de oração, jejuns prolongados e reuniões em igrejas ou residências. Pessoas dizem ter repassado objetos de valor a parentes não crentes, com instruções sobre como administrá-los “caso fiquem para trás”. Outros prepararam “kits de sobrevivência pós-Arrebatamento”, contendo alimentos não perecíveis, lanternas e mensagens de orientação espiritual.
Esses testemunhos refletem uma dinâmica verificada em movimentos semelhantes: necessidade de demonstrar fé mediante ações concretas. Para analistas, a materialização da crença — seja na venda de uma casa, seja na montagem de um kit — fortalece o senso de compromisso dentro do grupo, além de servir como prova social para potenciais novos adeptos.
Linha tênue entre sátira e seriedade
A presença de humoristas e influenciadores que flertam com a ironia contribui para a nebulosidade em torno do tema. Perfis que publicam vídeos antagônicos — ora defendendo, ora ridicularizando a profecia — confundem o público e dificultam a distinção entre convicção genuína e paródia. Para observadores externos, esse ambiente turvo é indicativo de como a viralização pode distorcer — ou pulverizar — intenções originais.
Mesmo criadores de conteúdo que declaram ser “apenas sátira” por vezes constatam que parte da audiência interpreta a mensagem literalmente. Inversamente, vozes que falam seriamente sobre o Arrebatamento podem ser tomadas por ironia. A resultante é um mosaico de mensagens que reforça a máxima de que, nas redes sociais, o contexto se perde com facilidade.
Resposta institucional limitada
Até o momento, agências governamentais, entidades de proteção ao consumidor ou órgãos religiosos de maior abrangência não anunciaram ações específicas voltadas a pessoas que venderam patrimônio inspirado pela profecia. Autoridades costumam intervir apenas quando há indícios de fraude financeira ou risco iminente à integridade física de grupos. No caso da previsão para 23 de setembro, a atuação tem se restringido a declarações ocasionais de líderes religiosos, orientando fiéis a não agir impulsivamente.
O dia 23 de setembro se aproxima
Com a data destacada na profecia cada vez mais próxima, olhos permanecem voltados para possíveis desdobramentos. Se, como em outras ocasiões, nada extraordinário acontecer, redes sociais deverão registrar uma onda de reações: memes, reinterpretações teológicas e discussões sobre responsabilidade de quem divulgou o alerta.
Para o pastor Joshua Mhlakela e seus seguidores, entretanto, a crença permanece firme. Eles apontam que o calendário judaico e as passagens das Escrituras oferecem respaldo suficiente para confiar na previsão. Já críticos reforçam que sinais do céu ou eventos históricos nunca foram considerados critérios válidos para marcar datas concretas, e lembram as consequências emocionais sobre quem acredita.
Perspectivas após a data marcada
Independente do resultado, a profecia de 23 de setembro se somará à longa cronologia de previsões escatológicas que mobilizaram diferentes gerações. Para analistas de comportamento, fenômenos desse tipo dificilmente cessarão; eles se adaptarão a novas plataformas, novos líderes e novos contextos globais. Em cada ciclo, elementos recorrentes reaparecem: expectativa, preparação, ceticismo, humor e, por vezes, arrependimento.
Resta acompanhar, portanto, o impacto concreto sobre pessoas que, como a influenciadora Gehl, tomaram decisões de grande porte — vendendo casas, doando carros e alterando rotinas — na convicção de que o mundo, tal qual conhecemos, está prestes a mudar de forma drástica e definitiva.
Fonte: Mistérios do Mundo